Saiba como vai ser a terceira edição do prêmio e conheça os 13 homenageados deste ano
Homenagear pessoas cujas ações criativas colaborem para a formação de um mundo mais justo e equilibrado. Dar projeção ao trabalho daqueles que perceberam a urgência de uma mobilização diante da ilusão do individualismo de nossos tempos. Em sua terceira edição, o Prêmio Trip Transformadores traz novidades em seu formato, mas mantém seu objetivo central: a troca de vivências e ideias entre agentes de transformação, aqueles que doam seu tempo, talento, experiência e entusiasmo para propor meios concretos de reformulação das nossas vidas e da sociedade.
Marcado para o dia 25 de novembro, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, o evento este ano vai homenagear 13 pessoas, destacadas abaixo – são 11 indicações individuais e uma em dupla. Os nomes foram escolhidos por personificarem os 12 temas que consideramos essenciais e que orientam os princípios da Trip, a partir de recomendações do nosso Conselho Editorial e de mais de uma centena de pessoas que compartilham dos mesmos ideais.
Esta que você lê é a primeira de uma série de reportagens sobre os homenageados, que se estenderá até novembro na revista e no site do prêmio. Haverá um grande homenageado na cerimônia, e ele será tema da primeira edição de 2010 da Trip. Mas não se trata de uma competição, e sim de uma oportunidade de troca de vivências entre todos os homenageados, com a intenção de potencializar os esforços e conquistas de cada um.
Ana Moser
Nas quadras, ela foi uma das maiores atacantes do vôlei feminino brasileiro, e suas conquistas incluem a medalha de bronze na Olimpíada de Atlanta (EUA), em 1996. A experiência da catarinense Ana Moser, 41 anos, como jogadora tornou-se base do trabalho social que realiza desde 2001, quando criou o Instituto Esporte & Educação, na zona sul de São Paulo. Usando o esporte como suporte pedagógico, a ex-atleta desenvolveu uma metodologia que serviu tanto para comunidades de baixa renda da periferia paulistana como para áreas carentes do Rio de Janeiro, de Ponta Grossa (PR) e do interior de São Paulo. “Quero formar cidadãos críticos e participativos. Sempre acreditei que a dimensão social do esporte ultrapassava a atividade profissional”, diz, orgulhosa por atender mais de 10 mil jovens por ano, de 6 a 18 anos. “Queremos montar uma rede de transformação social”, diz Ana. Uma parceria entre seu instituto, a Unicef e a ESPN Brasil resultou na Caravana do Esporte, iniciativa que organiza grandes mutirões de atividade esportiva em municípios de baixos índices sociais, com prioridade para o semiárido nordestino, a Amazônia, comunidades quilombolas e indígenas e periferias de centros urbanos. Desde 2005, a Caravana já atendeu 70 mil crianças e adolescentes e 10 mil professores da rede pública de 34 municípios.
Caco Barcellos
O gaúcho Caco Barcellos há décadas usa o microfone da maior TV aberta brasileira para chamar a atenção às questões sociais mais urgentes do Brasil. Com o faro de repórter sempre voltado às vítimas de injustiças, o profissional de 59 anos e 40 de profissão conseguiu dar à figura do jornalista uma relevância raramente vista na profissão. Seu trabalho na TV se estendeu naturalmente para dois livros obrigatórios para entender a questão da violência em nosso país (não à toa um focado no Rio e outro, em São Paulo): Rota 66, em que aponta com detalhes a ação dos matadores da Rota – batalhão de choque da Polícia Militar de São Paulo –, e Abusado, obra em que destrincha a história do Comando Vermelho sob a ótica do traficante Marcinho VP. Recentemente, tem se destacado com o Profissão repórter, em que, além de tocar em feridas de grandes problemas nacionais, ajuda a complementar a formação dos jornalistas recém-formados que participam do programa.
Marika Gidali
Em 1974, Marika Gidali dançava em cima de um tablado montado numa barca que percorria o rio São Francisco, encantando populações ribeirinhas. Era apenas uma dentre as iniciativas da bailarina e coreógrafa que ajudou a levar a dança a milhares de pessoas que normalmente não teriam acesso a essa arte. Ela criou, por exemplo, o projeto Escola Stagium, levando mais de 80 mil crianças e adolescentes de escolas públicas da periferia de São Paulo aos seus espetáculos. Em 1999, foi convidada para coordenar atividades de dança nas unidades da Fundação Casa (antiga Febem). Em 2000, foi premiada pela Unicef e fundou o projeto Joaninha, utilizando a dança e outras formas de arte para a inclusão social. A realidade da antiga Febem e das periferias não assusta Marika. Nascida na Hungria, a artista de 72 anos veio parar no Brasil devido a uma tragédia familiar. Os pais, um casal de alfaiates judeus, foram presos pelos nazistas. Escaparam por pouco e mudaram-se para cá quando Marika tinha 10 anos. A dançarina adaptou-se bem. Costuma exaltar a cultura nordestina e a música popular em seus espetáculos e ganhou mais de 15 prêmios nacionais e internacionais, alçando a dança brasileira a um novo patamar.
Chimbinha e Joelma
O casal Chimbinha e Joelma não apenas inventou um novo estilo musical com sua Banda Calypso, como também foi precursor de um inovador modelo de negócios em meio à maior crise da indústria fonográfica - que se tornou objeto de estudo do jornalista americano Chris Anderson, da revista Wired, e da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Sem o apoio de gravadoras, eles davam CDs para as rádios de poste de Belém (que transmitem em alto-falantes nas ruas) para divulgar suas músicas e fecharam acordo com uma distribuidora que os repassava a lojas e camelôs. Deu certo. Eles venderam mais de 12 milhões de cópias e fizeram girar forte a roda da economia Brasil afora. Paralelo aos shows, Joelma e Chimbinha abriram em setembro passado a grife Calypso Vest, na cidade de Almeirim, de 36 mil habitantes. Foi a concretização de um sonho antigo de Joelma, de melhorar as condições de vida em sua terra natal. Além de gerar empregos, a confecção – montada de forma não poluente – oferece capacitação profissional, contratando especialistas em estamparia e demais técnicas têxteis para qualificar a mão de obra local. O casal ainda estende sua atuação social para a promoção de shows beneficentes e campanhas de arrecadação de doações para populações carentes.
Ladislau Dowbor
O cenário é alarmante: mudanças climáticas, extinção de espécies e desigualdade social em todo o planeta. Para o economista franco-brasileiro Ladislau Dowbor, 67 anos, não há dúvidas de que é preciso desenvolver novas articulações sociais para que as mudanças necessárias de fato aconteçam. “É preciso encontrar instrumentos mais eficientes para medir o progresso e o nível de bem-estar dos países, que levem em consideração temas urgentes como saúde, pobreza e a dilapidação do meio ambiente”, diz. Professor titular da PUC-SP, consultor da ONU e estudioso há mais de três décadas do desenvolvimento sustentável, Dowbor formatou, com outros especialistas brasileiros, 30 novos indicadores econômicos de sustentabilidade de nações, reunidos num compêndio lançado este ano em forma de livro. Para ele, o PIB, medida de desempenho econômico, se tornou uma forma precária e limitada de calcular a riqueza de uma nação. “Explorar infinitamente os recursos naturais de um planeta finito só pode ser coisa de idiota... ou de economista.”
Cristóvão Tezza
O escritor catarinense Cristóvão Tezza , 57 anos, ganhou os principais prêmios literários de 2008 com o livro O filho eterno, em que ele transforma sua relação com o filho, portador da síndrome de Down, em ficção na terceira pessoa do singular. Mas o que Tezza conseguiu com seu livro vai muito além das premiações: ele chamou atenção para a realidade dos pais de filhos com Down com uma abordagem ao mesmo tempo crua e humanista. “Eu não posso ser destruído pela literatura; eu também não posso ser destruído pelo meu filho – eu tenho um limite: fazer, bem-feito, o que eu posso e sei fazer, na minha medida. Sem pensar. pega a criança no colo, que se larga saborosamente sobre o pai, abraçando-lhe o pescoço, e assim sobem as escadas até a porta de casa”, escreve Tezza no início do livro. O texto “trata da relação pai e filho de uma forma que transcende a questão da síndrome”, afirma o escritor. Por isso mesmo, tornou-se peça-chave na compreensão de suas implicações na família, jogando luz sobre um tema delicado de forma tão realista que chega a incomodar. Sem a intenção de tornar-se especialista no assunto, Tezza viu seu livro “crescer mais que o autor.” O romance rompeu com certos tabus que envolvem a síndrome. Por essas e outras, Tezza se define como “um escritor em transformação”, crente no “poder formador da literatura.”
Sérgio Petrilli
Inconformado com as dificuldades em tratar seus pacientes através do sistema público de saúde, o então chefe de oncologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina fundou, em 1991, o Graacc (Grupo de Apoio à Criança e Adolescente com Câncer), o maior e mais respeitado centro de tratamento da doença no país. Formado numa época em que a chance de sobrevivência de crianças com câncer não passava dos 20%, o paulista Sérgio Petrilli, 63 anos, via seus pacientes morrerem, sozinhos, nas enfermarias dos hospitais públicos. Hoje, através de doações e com modelo exemplar de gestão empresarial, o complexo hospitalar atende gratuitamente mais de 15 mil crianças e adolescentes por ano, de todo o Brasil, e cerca de 70% deles saem curados da instituição. Além de oferecer tratamento com tecnologia de ponta e hospedagem para a família do paciente, o Graacc promove estudos científicos de peso, como as pesquisas com células-tronco para curar alguns tipos de câncer.
Anderson Luis Balbino de Souza, o Dando
Na favela de Antares, zona oeste do Rio de Janeiro, pede-se pizza pelo MSN. O fiado do boteco foi informatizado em planilha Excel e alguns moradores estão completando o ensino médio pela internet. O responsável pela revolução digital na comunidade pobre do bairro de Santa Cruz é Dando, um autodidata de 25 anos que desde os 16 agiliza novos recursos da tecnologia conforme as necessidades de sua vizinhança. Tudo começou com uma máquina de xerox, instalada há nove anos em uma lojinha apertada. Com a popularização do computador, a comunidade precisava também de acesso à web. A essa altura, Dando já tinha descolado um emprego numa empresa de informática, aprendido o básico e, com a ajuda de um e de outro, instalou uma antena de acesso à internet sem fio na favela, inaugurando o Projeto Antena, que conectou ao mundo os moradores de Antares, onde lan house é mais para estudar do que para jogar games: “Se você tem informação, você é igual a outra pessoa”, diz Dando. A repercussão de suas ações levou uma grande empresa a investir no local, montando uma infraestrutura de sinal de internet similar à dos bairros mais abastados, o que desembocou em um segundo projeto de web popular, o Alô Dando Certo. “Estou há tanto tempo focado em suprir as necessidades da comunidade que não entendia o impacto do que eu fazia”, diz Dando. “Mas hoje sou referência para os mais jovens e, por isso, agora me sinto realmente um transformador.”
Vanete Almeida
Vanete é uma mulher que faz outras mulheres falarem, botarem pra fora em forma de palavras os problemas reais de suas vidas. Do sertão pernambucano a países africanos como Mali, Burkina Faso e Benin, Vanete percorre o mundo refletindo sobre as condições das trabalhadoras rurais e articulando encontros entre elas para debater temas como a convivência com a seca, a violência doméstica e as péssimas condições de trabalho. São situações delicadas também para homens, mas que se agravam quando se é mãe de família com filhos esperando em casa, pouco dinheiro para alimentá-los e sem nenhuma creche num raio de quilômetros. À frente da Rede LAC (Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe), essa avó de 66 anos representa 25 mil trabalhadoras de 23 países. São mulheres que, mesmo sem acesso a fax, telefone celular ou internet, decidiram se unir para trocar experiências e estimular o engajamento e a conquista de direitos para as trabalhadoras rurais de cada região. Sua iniciativa já levou, por exemplo, 260 brasileiras para trocar experiências com trabalhadoras mexicanas, promovendo um “intercâmbio social” que faz a diferença. “Atualmente, entre as minhas preocupações, está a discussão sobre a exploração da água potável no mundo, e em particular como isso afeta as mulheres rurais deste continente”, conta de sua casa, em Serra Talhada, cidade do sertão pernambucano onde nasceu Lampião.
Claudio Prado
Claudio Prado é um visionário. Já compunha a comissão de frente da contracultura dos anos 70, produzindo shows de novidades que se revelariam grandes nomes da música brasileira, como Novos Baianos e Mutantes. Ajudou a organizar a primeira edição do Festival de Águas Claras, em 1975, tido como a versão nacional de Woodstock. Em Londres, para onde foi no fim da década de 60 para estudar sociologia, semeou amizade com o então exilado Gilberto Gil para, décadas depois, ser convidado pelo então ministro da Cultura para aconselhar sobre a aplicação da tecnologia digital nas manifestações culturais do país. Claudio soube aproveitar a oportunidade oferecida pelos Pontos de Cultura criados pelo ministério e neles disponibilizou kits multimídias e oficinas de alfabetização digital que ensinam o pleno uso dos recursos audiovisuais. A experiência inédita no mundo, baseada numa bem-sucedida parceria entre poder público e entidades civis, virou referência para diversos governos estrangeiros. Com o objetivo de promover as novidades tecnológicas a favor da sociedade e suas expressões culturais, o paulistano de 65 anos acaba de criar a ONG Laboratório Brasileiro de Cultura Digital: “A era digital é um rito de passagem da humanidade para a transformação pela qual precisamos passar”, diz, antes de completar: “Até ontem, quem detinha o conhecimento era o dono todo-poderoso. Daqui pra frente, quem vai deter o poder é quem será capaz de multiplicar e espalhar o conhecimento”.
João Filgueiras Lima, o Lelé
Quando sustentabilidade era uma palavra ainda bem longe do noticiário, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, já se debruçava sobre a prancheta para criar projetos econômicos e de baixo impacto ambiental. Carioca radicado em Salvador, hoje com 77 anos, Lelé ganhou notoriedade por seu projeto para o hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Seus edifícios não se tornam obsoletos, são extensíveis e adaptáveis às novas tecnologias e, portanto, econômicos e menos poluentes. Com o Sarah, por exemplo, foi assim: Lelé abençoou um feliz casamento entre a funcionalidade e a estética que acabou sendo replicado em vários outros hospitais Brasil afora. Há três anos Lelé fundou o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat (IBTH), entidade sem fins lucrativos que desenvolve e disponibiliza plantas e estudos arquitetônicos de prédios públicos, como escolas e hospitais. “A curto prazo, teríamos que mudar os compromissos da sociedade. Essa ânsia de sempre comprar coisas em shopping precisa mudar. O automóvel ocupa um espaço muito grande. Além de tudo, tem o comprometimento com o falso conforto”, analisa o arquiteto.