por Paulo Sampaio
Trip #187

O GH, hormônio do crescimento, tornou-se a droga preferida dos frequentadores de academias

Os adeptos do anabolizante da vaidade não se importam com “efeitos colaterais” como aumento das extremidades do corpo, impotência sexual e câncer


A camiseta do bacharel em direito Luiz Carlos Mourão Jr., 29, parece muito apertada no braço, mas ele diz que é só impressão; que, por sinal, está usando um tamanho GG.

“Não adianta, essa é a maior que tem”, explica Jr., ao mesmo tempo resignado e orgulhoso, com o dedo indicador espremido entre o bíceps de 44 cm e a manga da camiseta.

Ele sabe que o hormônio de crescimento GH (sigla em inglês para “growth hormone”), um dos auxiliares que usou para ficar “grande”, pode levar ao aumento das extremidades do corpo, incluindo orelhas, nariz, maxilar, ossos dos cotovelos, pés e mãos. E mais ainda: está relacionado ao aparecimento de cálculo nos rins, diabetes, insuficiência cardíaca, câncer e também impotência sexual - mas que importância tem isso, se Jr. se considera muito mais atraente agora? “Me acho bonito, sim. Sou bastante olhado.”

Pelos homens, mais ainda: “Não tenho nada contra, respeito. Mas, se vou com a namorada em alguma balada GLS, tenho de subir para o camarote [para fugir do assédio]”, conta ele (a propósito, a estética do GH tem aproximado bastante os héteros e os gays, dois grupos que até há algum tempo não dividiam a mesma pista de dança).

No caso de Jr., a aplicação do hormônio de crescimento é especialmente contraindicada. Ex-obeso mórbido, ele chegou a pesar 160 kg (para 1,80 m), até que, aos 21 anos, com picos de 22 de pressão arterial, se submeteu à cirurgia de redução do estômago. Perdeu 85 kg, fez plástica para retirar 5 kg de pele e, quem diria, começou a se achar franzino. “As pessoas perguntavam se eu estava doente”, conta ele, que agora termina um curso para ser chef de cozinha. Sua especialidade é nhoque com molho pomodoro.

Apesar da delicada cirurgia no estômago (e da difícil convalescença), a única coisa que o fez parar para pensar (apenas 1 min) se iria ou não tomar o GH foi o preço da somatropina (genérico vendido na farmácia com nomes como Norditropin e Saizen).

“Já usei vários hormônios: deca-durabolim, durateston, winstron... Nada se compara ao GH. O problema é que não dá pra ficar só nele, por causa do preço. É muito caro, coisa de elite mesmo”, diz Jr., cujo boné prende as extremidades superiores das orelhas.

Uma caixa com duas “doses” de GH custa cerca de R$ 80; são necessárias 30 caixas para usar durante 60 dias, tempo médio estabelecido entre os usuários com fins estéticos das academias de ginástica (ou por amigos, que têm amigos médicos, que são amigos de amigos etc.). Registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o GH é vendido nas farmácias, mediante receita médica, mas há ofertas de similares piratas até na internet.

COMANDOS EM AÇÃO
O personal trainer Lauro Buechler, 29, professor de Jr., compara o efeito do GH a uma “segunda adolescência”. “Você rejuvenesce, e é isso que atrai mais ainda as pessoas”, diz.

Buechler deixa claro que não faz uso do GH e alerta o aluno sobre todos os problemas que o hormônio pode causar. Jr. o respeita, mas vai continuar usando.

De acordo com Buechler, um dos principais motivos que levam muitos frequentadores de academia a querer crescer indefinidamente “é a mídia”. “A imagem do corpo perfeito, grande, é muito forte, em todo lugar. Pode reparar, até os bonequinhos do Comandos em Ação que a gente brincava na infância eram bem mais fraquinhos que os de hoje”, observa.

Na TV, o GH teve o seu boom quando o ator Theo Becker, 33, berrou no ouvido de seu colega Jonathan Haagensen, no reality show A fazenda, da Record: “De tão frangote que tu é, [o GH] não faz nem efeito”.

Um dos possíveis efeitos colaterais do hormônio aplicado, dizem os especialistas, é o desequilíbrio emocional.

Haagensen manda dizer por sua assessoria que não tem ideia do que seja GH e que nunca tomou nada. Becker afirma que construiu seu corpo com surf e ginástica aeróbica (“adoro subir morro”), mas revela que pretende usar o GH “quando estiver com 35” (ele fala como se fossem 95).

“Se der, coloca aí que eu tenho 31, OK?”

APRESENTAÇÃO E BULA
A somatropina é apresentada apenas na versão injetável. São duas ampolas, uma da proteína liofilizada (em pó) e outra de soro, cujos conteúdos devem ser misturados. A aplicação é subcutânea. Alguns laboratórios mandam entregar em casa, desde que o paciente apresente a receita, e as ampolas vão devidamente acondicionadas em um isopor, com gelo e orientação de como conservar.

Os estudiosos do assunto dizem que o GH tem indicações específicas – e que “bombar” e rejuvenescer não estão entre elas.

Produzido na hipófise (glândula localizada na parte anterior do cérebro), o hormônio de crescimento só deve ser prescrito caso se verifique uma carência que possa levar ao nanismo na fase de crescimento. “Mas, aí, o paciente vai usar todos os dias, durante longos períodos, como um tratamento”, explica o endocrinologista João César Castro Soares, da Escola Paulista de Medicina. Adultos que sofrem de doenças que comprometem a produção do hormônio também têm indicação para usar o GH.

“Os supostos benefícios do GH não duram, e os problemas são muito maiores depois”

Soares explica que a maioria dos marombadões não presta muita atenção nessas explicações, a menos que se fale da possível queda de cabelo ou do aparecimento de acne. “Você vê que é uma questão de vaidade pura e simples. O problema é que os supostos benefícios que a moçada de academia vê no GH, como redução de gordura e aumento da massa muscular, são transitórios. E os problemas são muito maiores depois.”


PRESSA, AMIGA DA PERFEIÇÃO

O ideal é ficar forte rápido. A pressa está na lista dos principais motivos que levam os personagens desta reportagem a se espetar diariamente na barriga com uma microagulha (semelhante à que os diabéticos utilizam para aplicação de insulina). O estudante de direito Andrei Scafi de Vasconcellos, 22, ainda não havia completado dois anos de academia quando decidiu que não estava obtendo o resultado que queria. GH nele.

“Vivo para malhar, É meu maior prazer na vida! meu sonho é ganhar mais 20 kg de músculos”

“Eu levantava cada vez mais carga, mas não evoluía no peso [muscular]”, diz Andrei, meio lacônico, porém já devidamente “aumentado”. “As pessoas veem mais os resultados [do uso de GH] do que eu. Meus amigos me dizem: ‘Chega, cara, para de tomar isso, daqui a pouco você não vai passar na porta’.”

Andrei está em pleno ciclo de aplicação do hormônio. “Ciclo” é uma terminologia usada pelos frequentadores de academia, que acreditam que usar o GH por apenas um período faz menos mal. O endocrinologista João César explica que o mal está feito e que, além disso, quando se para de receber o hormônio, cessam os efeitos dele no corpo.

RELATIVA SEGURANÇA
Vestindo camiseta regata, visivelmente hipertrofiado, especialmente nos ossos dos ombros, Andrei conta que quis fazer tudo “direitinho”, dentro do que ele – e todos os bombados – acreditam ser uma “relativa segurança”.

Um parêntese: quando falam dos consumidores do GH, alguns usuários o fazem na terceira pessoa, o que parece ser uma tentativa enviesada de se desculpar. Exemplo: “Quem toma GH acha que, com ele, não vai acontecer nada [diabetes, pressão alta etc.]”.

Para “correr o mínimo de risco possível”, Andrei achou melhor procurar um médico e se submeter “a uma batelada de exames”. Seu médico é o “polêmico doutor G”, como ficou conhecido o integrante do Big Brother 5 Rogério Padovan, 32, que foi o principal oponente de Jean Wyllys (primeiro gay assumido em um reality brasileiro).

Padovan se apresenta como médico ortomolecular, especialidade que o Conselho Federal de Medicina não reconhece. Referência entre os marombeiros de SP, doutor G diz ter uma carteira de 20 mil clientes e ser “fã incondicional do GH”. Na consulta, que custa R$ 200, ele costuma garantir a seus clientes, “artistas, políticos, gente de nível”, que os benefícios do hormônio de crescimento são cientificamente comprovados.

Considera alguns dos efeitos colaterais do tratamento, como “o tal do câncer”, um “mito”: “Isso não existe. Você tem que usar a dosagem certa. Eu uso o hormônio como fator antienvelhecimento, entende? Antes que apareçam os sinais da velhice”.

Andrei e a maioria dos pacientes de G preferem se entregar ao hormônio sem grandes questionamentos, repetindo a máxima “até uma aspirina, se você for ver, tem efeitos colaterais”. O importante é crescer.

São dez da manhã de uma quarta-feira, e a personal trainer Alline Alvarenga, 25, posa de biquíni para as fotos desta reportagem. Lá fora o cabeleireiro Maurício Moreira, 45, aguarda sua vez usando apenas uma sunga branca. Fora o peso dos músculos, os dois parecem levíssimos. Diz Alline: “Eu vivo para isso [malhar e crescer]. É meu maior prazer na vida!”. Em suas séries de agachamento, a professora carrega o aparelho com 80 kg. Seu sonho é “ganhar mais uns 20 kg de músculos”.

Mas não foi sempre assim. Na adolescência, Alline sofria de anorexia nervosa e chegou a pesar 36 kg.

“Agora, tenho ‘anorexia ao contrário’”, diz ela, rindo. Aos 18, ela já estava com 45 kg e hoje, no auge de seu crescimento como pessoa física, pesa 62 kg.

No segundo semestre, ela diz que vai se submeter a seu primeiro ciclo de GH. “Meu parâmetro de corpo, hoje, é a Gracyanne [Barbosa, madrinha da bateria da Unidos de Vila Isabel]. Ela é maravilhosa.” Recém-operada de apêndice, Alline diz que não malha há um mês e que não está feliz com o próprio corpo. Um leigo em GH imagina o que seria a felicidade para ela. “O que conta é você olhar no espelho e estar bem”, diz.

O problema, no caso de Maurício, é que o espelho nunca o agrada. Ele sofre de um distúrbio que os especialistas chamam de vigorexia. Por mais que cresça, ele se acha sempre pequeno. “Esse louco aqui [ele mesmo] não usa só GH [o último ciclo dele terminou em dezembro]. Como quero crescer ainda mais, tomo winstron [anabolizante] também”, conta.

Maurício, que é gay, fala com perfeita naturalidade dos problemas que o “tratamento” pode causar no campo sexual: “Olha, dizem que o pau diminui, mas, na verdade, é a gente que cresce. O testículo fica menor, sim. O problema é que, se você estiver tomando testosterona e resolver dar um tempo, o organismo vai sentir. Porque ele já tinha entendido que o hormônio estava entrando de fora e que não precisava mais produzir, entende? Então, até ele voltar a produzir, a libido fica lá embaixo”, explica. Mais uma vez: que importância tem isso se, como Jr., Maurício se acha tão mais atraente depois de se “bombar”?

“As pessoas dizem que o GH pode causar isso, aquilo, mas, desculpe, a Madonna está impecável!” Para ele, “hoje é quase uma praxe entre os gays tomar GH. Tem até as praias que são redutos dos ‘grandes’ no Rio, em Floripa, no litoral norte de São Paulo...”.

Entre um flash e outro, Maurício mostra as mega-asas de anjo tatuadas em suas costas, cada uma com cerca de 1 m. Na academia, ele e seus colegas aumentados costumam levantar as cargas aos bufos e urros e, no fim, dum-dum!, os pesões são largados no chão – o que imprime certa dimensão sonora à façanha.

“Todo mundo gosta de aparecer, né?”

Agradecimento: Anni Futuri

 

 

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