O Papa e o Nobre-bebê
Quando vejo esses grandes eventos, como agora com a vinda do Papa ao país, me ponho a refletir até sem querer. Posso estar muito errado, mas como é que um homem como eu, que usa o banheiro, que espirra, tem meleca no nariz, peida, vomita ou arrota e que conhece sua fragilidade humana, se permite a ser adorado? Como pode aceitar tantas homenagens, tanta mordomia e deferência do mundo, qual fosse único? Até concordo que ele é o único que é Papa, mas continua sendo homem, ou não? O dogma da infabilidade papal confunde um pouco. Mas só um pouco. Ainda bem que, no caso de Francisco, ele fala contra a idolatria e procura demonstrar uma humildade que é muito bem vinda.
Como escritor, às vezes aparecem algumas pessoas que se dizem minhas fãs, gostam demais do que escrevo, me admiram pela minha luta e meu esforço pessoal. Se for de frente, não sei onde enfio a cara, sinto vergonha de ser alvo de elogios. Tenho pleno conhecimento de quem sou e de quem fui, até porque quase sempre é sobre isso que escrevo e, não é nada admirável. Até muito pelo contrário. Claro que tenho virtudes como todo mundo, mas são tão poucas e breves que nem vale a pena comentá-las. Bem, no máximo chego a ser humano. Sei que isso todo mundo é. Mas quando digo humano refiro-me ao calor, ao sentimento humano.
O outro evento que galvanizou as atenções foi o nascimento de mais um príncipe inglês. Como pode uma criança nascer em um berço literalmente de ouro e já ser o terceiro na linha sucessória ao trono britânico? Que ser humano será esse para já nascer com tantos privilégios? Embora mesmo que chegue a ser o Rei, de pouco ou nada vai adiantar porque os reis ingleses não mandam. A herança também é pesada e às vezes até demais. Seus pais terão pouquíssimo tempo para cuidar, brincar e curtir com ele. Vai para o internato, em vez de uma escola normal como um garoto normal. Mas mesmo assim: essa criança terá uma vida de príncipe, como se diz. Viverá para gozar do que há de melhor neste mundo. Seus privilégios serão oriundos do suor e do amor de seus súditos que, felizes da vida o adorarão até o fim de sua vida.
Acho interessante todo o circo armado. Os jornais dedicam muitas páginas; os jornais televisivos mostrarão filmagens do Papa e do nobre-bebê em seus espaços mais caros; as revistas estamparão fotos em suas capas e teremos todas as minuciosas informações que não interessam a ninguém sobre os dois eventos. Enquanto isso no país, a renda que paga o capital continua (mesmo com Lula e Dilma) absurdamente maior que a renda que paga o trabalho. Os recursos usados para pagar juros de capital são muito maiores que os aplicados em programas sociais (mesmo com o bolsa-família e similares). A educação recebe uma verba abaixo do necessário; os professores recebem salários ridículos; a saúde cai pelas tabelas pela falta de equipamentos e até por alguns de seus médicos corporativistas... E vai por aí afora.