por Kátia Lessa

Músico faz hoje no Sesc Pompéia show de seu segundo disco, Calavera; leia entrevista

 
Nesta quinta-feira, 26, no Sesc Pompeia o trompetista Guizado faz mais um show de lançamento de seu segundo disco, Calavera, que pode ser baixado gratuitamente em www.albumvirtual.trama.uol.com.br. O trabalho foi uma forma que o artista encontrou pra encarar com serenidade a perda da mãe, que em 2008 sofreu uma meningite fulminante. No palco, Guizado é acompanhado por Régis Damasceno (guitarra), Rian Bezerra (baixo), e Curumin (bateria). Batemos um papo com o músico sobre sua carreira e o novo disco, leia abaixo:

De onde vem seu apelido?
Guizado foi um nome que um amigo achou para chamar uma banda que eu estava montando um bom tempo atrás, mas que com o passar do tempo viria a se tornar o grupo que tenho hoje, e então esse nome foi passando de nome de banda para apelido, e isso foi ficando, ficando e se firmou.

Quando e com quem aprendeu a tocar?
Me fixei no trompete aos 17 anos após passar por guitarra e bateria. Na época eu ganhava uns trocados como figurante em musicais, e uma vez numa ópera eu conheci um trompetista, e passamos a ter aulas, depois tive aulas com o Settimo Pailoetti, que me ensinou bastante, com Raul de Souza, que foi bacana também, e com o Leyve da escola Groovie, que é guitarrista, mas que me ensinou muita coisa. E por fim me formei em trompete na Faculdade Santa Marcelina.

Como foi o início da sua carreira?
Por volta dos 19 anos já começava a me envolver com grupos e artistas que estavam começando a aparecer por aí. Me lembro bem de meu primeiro show, bem novo, no Aeroanta com uma banda de reggae, o Walking Lions. Mais tarde o Curumin, que toca comigo até hoje, tinha montado a banda Zomba, na qual eu comecei a tocar, assim como muita gente que também estava começando a aparecer naquela época, como Dan Nakagawa, Chico Salem, SP Funk, DMN, que foi o grupo do rapper Xis, com esse eu me lembro de ter tocado no antigo SubClub numa festa memorável, muito divertida. Lembro também de um projeto que fiz com o SP Funk e o antigo grupo Gueto.
Paralelamente a essa época entrei na faculdade, onde me envolvi com grupos, digamos assim, mais sérios, como o Projeto B, a big band da faculdade... depois com o passar do tempo foram surgindo vários outros trabalhos com gente como a Elza Soares, com quem gravei os metais e assinei os arranjos, fiz uma turnê com o Lulu Santos. Outra fase bacana foram as temporadas com o sindicato do groove, em que eu podia aparecer com temas próprios e excutá-los várias noites, improvisando à vontade.
E, com o passar do tempo, me aproximei de pessoas com as quais tinha sintonia musical, como Jorge do Peixe e seu trabalho, o Autônomo, gravei com a Nação Zumbi, com Mauricio Takara e Junior Boca, Lucio Maia e o Maquinado. Teve a Céu também, que me chamou pra gravar no Vagarosa, seu último disco. E atualmente toco também com Karina Buhr, Bruno Morais, Los Sebosos Postiços e assim vai.

Você já trabalhou com outra coisa antes de ser músico? Sempre soube o que queria fazer da vida?
Sim, já tive outros trabalhos, mas eram mais quebra-galhos, o mais próximo que eu estive de ter outra profissão foi aos 17 anos quando trabalhei num bar e restaurante em Pinheiros que se chamava Sushi-Ban, de um amigo meu que hoje é um excelente chef. Trabalhava como sushi man, nessa época eu estava bem interessado nas artes culinárias, mas a música desde pequeno falou mais alto.
 
Como aconteceu a escolha pelo trompete?
Começou com meu interesse pelo jazz e pela improvisação. Fiquei sócio do Sebo de Elite, que foi um sebo de discos muito legal que tinha na rua Lisboa, ali eu podia alugar disco e levá-los pra casa por alguns dias, como um locadora de vídeos, assim eu tive acesso a muitos discos de artistas como Miles Davis, Charlie Parker, Dizzy Gillespie etc. Além disso, costumava me encontrar com um amigo que tocava saxofone, e havia na sua casa um trompete encostado do seu avô e eu fiquei com ele por um ano emprestado e então fui pegando gosto por aquilo tudo, o trompete, o jazz. Outra coisa bacana que me influenciou na época foi a literatura beatnik de Jack Kerouac, William Burroughs, e especialmente o livro On the Road, de Kerouac, no qual ele falava muito sobre improvisação e jazz.

Ao contrário do anterior, este CD tem vocais seus, de Céu e Karina Buhr. Alguém mais que eu não tenha notado? Como aconteceu essa escolha e de quem são as composições?
As composições do Calavera são todas minhas. A não ser a música "Emanação dos Sonhos", que eu assino em parceria com Mauricio Takara. Neste disco eu passei a escrever letras, cantá-las e dividir alguns vocais com Céu e Karina Buhr. Acredito que devemos expandir nossos limites, ampliar nosso poder de comunicação e fazer com que nosso trabalho seja cada vez mais divertido, e encontrei tudo isso colocando vocais no disco. Tenho alguma influência do jazz, mas escuto uma porção de outras coisas, como rock, música pop, música eletrônica... E obviamente isso rege minha forma de produzir música, alem disso, encontrei nos vocais toda uma nova paleta de cores e sonoridades possíveis que, acredito eu, enriqueceu o trabalho.
 
É possível viver de música instrumental no Brasil? Os vocais foram uma escolha apenas estilística?
Na verdade acho que não é possível viver de musica instrumental no Brasil, salvo raríssimos casos, tanto que para me sustentar toco com mais uma porção de pessoas e todos com quem toco não fazem música instrumental. No caso do meu trabalho, não vejo uma divisão entre o instrumental e a canção. É música pela música, para que estabelecer limites? A personalidade de nosso trabalho está muito mais ligada ao modo como fazemos as coisas, aos intrumentos que escolhemos, ao jeito que gravamos, às sonoridades que vão surgindo, e, uma vez conquistado isso, tudo o que for feito terá nossa impressão digital, terá nossa marca.
 
De que forma você denomina o som que faz?
Nosso som nasce de uma combinação de pessoas, de amigos de verdade, de parceiros musicais. É claro que a essência das melodias, dos timbres parte das minhas ideias, mas ela se transforma quando nos reunimos para finalizar as músicas. O Regis tem uma maneira de tocar limpa e cristalina e possui uma infinidade de riffs interessantes, o Rian é um baixista de peso, que toca realmente bem seu instrumento e sabe o som que se encaixa melhor a cada música, e o Curumin é um baterista único, que tem estilo próprio. Alem disso todos contribuem com ideias nos arranjos. Por isso eu acho que nosso som pode ser definido com o resultado do choque das minhas ideias com a bagagem musical e estética de cada um de seus integrantes.
 
Quais são suas maiores referências musicais?
O arquivo é extenso, depende do momento. É como quando se está com fome, às vezes a gente tem vontade de comer um peixe no forno, outra hora massa, às vezes um doce. Na hora de buscar referências me sinto assim também, tenho ouvido bastante coisas do jazz etíope, grupos de metais como o Hipnotic Brass Ensemble. Alguns artistas sérvios como Boban Markóvic. Outros momentos quero ouvir sons de produtores e manipuladores de samplers e toca-discos, como Free The Robots e Gaslamp Killer, ou algumas coisas mais experimentais como MMR-ADM. Além disso tenho buscado ouvir os grandes arranjadores, como Henri Mancini, Burt Bacharah, Meirelles, David Axellrod e por aí vai.
 
O disco é cheio de efeitos eletrônicos, mas em alguns momentos nos faz lembrar da bandinha de rua regional, e do nada fica mais rock'n'roll. Como ele foi pensado? Por onde caminha esse novo trabalho?
Muito bem observado. A ideia é mostrar que existem diferentes planos em nossa existência, e que todos são importantes e devem ser amados em nossa vida, tanto o cotidiano urbano das cidades, do dia a dia, das ruas, dos relacionamentos, quanto o plano mais interior, espiritual, de curtir o seu próprio centro gravitacional, esse equilíbrio nos faz pessoas mais saudáveis, a ideia é brincar com isso, misturar realidade com sonho, por isso essas mudanças inesperadas. E em muitos momentos emerge certo clima de festa de rua mesmo, acho que eu tenho isso gravado em algum lugar da minha memória. Uma lembrança interessante que me ocorre agora é que tenho uns tios-avós por parte de mãe, os quais nem conheci, que eram músicos de sopro e tocavam em festas de rua no interior do Mato Grosso, terra da minha avó, e me lembro de minha avó contando sobre eles, sobre a lembrança de ver aqueles instrumentos de metal espalhados pela sala...
 
Qual o som cafona que você adora e ouve escondido?
Posso dizer um som que tenho ouvido ultimamente, mas que na verdade acho que é bacana, e tem seu valor, por exemplo, a antiga banda do Supla, o Tókio, eu acho classe A! Principalmente a música "Roupa X", que é do primeiro disco deles.
 
O CD foi lançado na internet. Por que essa opção? Quando ele sai nas lojas?
A indústria fonográfica como conhecíamos está falida, na minha adolescência quando um disco dos Titãs era lançado virava febre, todos corriam para ás lojas para garantir o seu... Hoje em dia disponibilzar o disco na rede foi uma saída encontrada para disseminar o trabalho e fazer com que muitas pessoas o ouçam, e de certa forma gerar esse mesmo tipo de movimento de massa, em que um grande número de pessoas em um curto espaço de tempo tenha acesso ao disco, e que se sinta entusiasmado a falar dele, a ir aos shows e, no fim das contas, queiram ter o exemplar físico em mãos quando ele finalmente chagar às lojas.
 
Fale um pouco sobre a escolha do nome do álbum.
Calavera significa caveira em espanhol e esse nome remete à festa do dia dos mortos, um festejo do povo mexicano, em que eles celebram o mistério da vida e da morte de forma festiva e alegre. É um momento em que as ruas ficam carregadas de sonho e magia, e é essa atmosfera que procuro transmitir nesse trabalho, misturar realidade e sonho. Esse tipo de cultura não se encontra somente no povo mexicano, é um sentimento universal que se vê aqui no Brasil também, nas ruas de Olinda, nas festas de rua do leste europeu e da Espanha, onde o real e o imaginário se unem e uma consciência maior e profunda se revela.

Vai lá: Guizado, show de lançamento do CD Calavera
Quando: 26/8/2010, quinta, 21h
Onde: Sesc Pompeia - R. Clélia, 93 - Pompeia - SP/SP - tel.: (11) 3871-7700
Quanto: R$ 16 (inteira), R$ 8 (usuário matriculado no SESC e dependentes, +60 anos, professores da rede pública de ensino e estudantes com comprovante), R$ 4 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes)
Ouça: www.myspace.com/guizado
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