J.R. Duran não consegue se animar com a comoção que gira em torno do futebol
Desculpem. Sei que estão todos empolgados com as mil e uma possibilidades que o futebol pode trazer para o país. Desde a aparição de infinitas campanhas publicitárias de produtos que não têm nenhuma relação com o esporte até a chance de completar mais um álbum de figurinhas, passando pela eventual conquista de mais uma Copa do Mundo. Mas, confesso, não consigo me animar com toda essa comoção.
A ESPN veicula nesses dias um filme genial com locução de Bono Vox, líder do U2. A mensagem é verdadeira e melancólica: “It’s about one month every four years when we all agree about one thing”*. Faltou acrescentar que é uma pena. Porque todo esse ufanismo e esse nacionalismo não são suficientes para me fazer esquecer tudo o que implica torcer no futebol durante o resto do tempo, nesse intervalo de quatro anos. É algo que afeta as pessoas de maneira estranha. Seja o diretor de um time que fala bobagem (com o consequente pedido de desculpas e a tentativa de ressalva de que a frase gravada estava fora do contexto), seja o torcedor que, por qualquer pretexto – na vitória e na derrota –, se pega de porradas com seu adversário quando seria suficiente que o indivíduo em questão começasse a praticar boxe (coisa que duvido que faça, porque o “valente”, ao deparar com a possibilidade de ter de enfrentar alguém de seu tamanho e sem a ajuda de um pedaço de madeira ou de um revólver, mudará de ideia na hora).
Penso que não quero participar de nada coletivo que envolva balas de borracha e gás lacrimogêneo. Não tenho nada contra multidões, mas tenho contra multidões covardes, que se utilizam do princípio fascista de que o anonimato das massas protege a força bruta. Ir a um estádio de futebol, que deveria ser motivo de festa**, se tornou uma tarefa complexa e, com frequência, arriscada.
ARMADILHAS DA FAMA
Confesso, porém, que não deixo de ler o caderno esportivo. Assim como o Big Brother, ele mostra as armadilhas que a busca pela fama, pelo sucesso ou por apenas um lugar ao sol reservam a todos. Os altos e baixos dos treinadores (é difícil explicar o inexplicável quando não se tem ideia do que está acontecendo), os acertos e desacertos dos dirigentes (imagine uma empresa em que cada decisão estratégica, dentro ou fora dos padrões, sempre tem de ser discutida em público por meio dos jornais) e as trapalhadas dos jogadores (problemas com a namorada, com excesso de dinheiro ou casamentos a distância) são desencontros rotineiros que podem ocorrer na vida de qualquer ser humano. Fraquezas a que todos podemos sucumbir, mas a dimensão de heróis a que esses personagens são elevados amplificam seus erros ao infinito.
Mas esses são detalhes, enfim, que ficam perdidos no meio das paixões dos torcedores. Paixões que me fazem não torcer por nenhum time, com exceção do mês a que a frase de Bono se refere. Porque sou – acima de tudo – pelo direito de discordar do que seja e isso, em um estádio, fica complicado.
*É sobre um mês a cada quatro anos em que todos estamos de acordo a respeito de uma coisa.
**Sei bem disso, moro perto de um estádio. Escrevo em um dia de clássico.
J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran