Trabalhos inusitados
Ordem dos Advogados Palhaços
primeiros traços de sua maquiagem no rosto, Luiz Francisco de Vasconcelos, 33, se comportava como o advogado formado e pós-graduado que é. Durou pouco. Quando terminou a pintura e colocou seu nariz vermelho no rosto, mudou completamente sua atitude. A partir desse momento só atendia pelo nome de Palhaço Pistolinha, e as palavras sérias de quem exerceu por cinco anos a função de homem da lei foram trocadas por uma série de piadas. Assim ele vive desde 2003, quando forçou sua demissão do escritório onde trabalhava e deixou de lado a profissão de advogado para fazer as pessoas rirem. "Dá muito mais prazer ser palhaço do que ser advogado", disse. "Advogado tem que ser sério. Quando eu vestia o paletó e a gravata, na verdade eu colocava uma armadura e ia para guerra. Ali não cabia uma piada, era tudo muito burocrático", condenou. Por isso, hoje seu ambiente de trabalho não envolve mais fóruns, juízes ou audiências. Agora seu escritório é debaixo da tenda do Circo Spacial, em São Paulo, e dentro de hospitais atuando como um dos Doutores da Alegria. "Eu seria um advogado médio e acredito que ainda vou ser um bom palhaço", prevê Luiz, ou Pistolinha, garantindo que não pretende voltar aos tribunais. No mínimo é uma boa forma de se divertir no trabalho. (CAIO FERRETTI)
Anunciante de bisteca e picanha
"Não vou poder ir trabalhar hoje! Estou com uma irritação na garganta porque nos últimos dias houve várias ofertas boas aí no açougue e eu tive que forçar muito a voz." Que ironia. Dessa forma o locutor Franklin Júnior, 34, avisou por telefone ao chefe que faltaria ao batente bem no dia em que havia marcado o encontro com a reportagem da Trip. Ossos do ofício. Se para a maioria das pessoas as ofertas são sempre bem-vindas, para Franklin significam trabalho em dobro. Vida de locutor de açougue. Das nove da manhã às oito da noite, de segunda a sábado, ele está sempre com o microfone na mão soltando a voz para chamar a atenção dos clientes que passam pela casa de carnes em que trabalha, que tem várias unidades no bairro do Brás, em São Paulo. "O locutor tem que deixar o produto lindo", explica. "A gente se empolga e acaba com a voz. Precisa disso pra fazer o marketing." Admirador do radialista Eli Corrêa e fã do apresentador Silvio Santos, Franklin começou com a chamada locução de marketing por acaso. Quando tinha 20 anos de idade e trabalhava como vendedor em uma confecção, aproveitou um dia de ausência do locutor oficial da loja para fazer seus primeiros anúncios. Nunca mais parou. Trabalhou por oito anos fazendo locução em supermercados e depois partiu para a vida de anunciante de bistecas e picanhas. "Agradeço a Deus que me deu esse dom. Eu amo minha profissão", confessa. Que venha o churrasco. (CF)
Josyas manos de tesoura
Aos 16 anos de idade, Josyas Mendes pegou uma tesoura caseira e cortou o cabelo do irmão. Os amigos curtiram e pediram para ele repetir o trabalho. A notícia se espalhou, e a casa da família nunca mais ficou vazia. Todo dia alguém aparecia para aparar a peruca na faixa. Foi então que ele resolveu abrir um salão na região do Capão Redondo, em São Paulo, onde mora. Hoje, aos 30, é ele quem cuida da cabeça de Mano Brown, Ice Blue, Caio Blat, Mr. Catra, MV Bill, dos garotos do Rosana Bronxs e até de Jorge Benjor. O mestre do suingue faz questão de bancar passagem e hospedagem no Rio de Janeiro para que Josyas mantenha seus fios no devido lugar. "A primeira vez que a caminhonete de Mano Brown estacionou aqui em frente eu até tremi. Ele pediu para apenas aparar o pé. Voltou na mesma semana para cortar e em dez anos nunca deixou de vir. Já fizemos trança, fade, moicano etc.", conta orgulhoso. A convivência, o time do coração e o gosto musical em comum aproximaram ainda mais os santistas, e hoje Brown é quem dá um tapa na carreira musical do escudeiro capilar. É produtor da banda Diébanus, apadrinhada por outro cliente ilustre, Jorge Benjor. O sucesso do salão é tanto que a equipe cresceu. Josyas conta com a ajuda de três aprendizes e até de um serviço especializado no cabelo afro. Isso sem falar na infra-estrutura do lugar, que hoje é uma espécie de clube dos meninos (embora ele também atenda mulheres). Videogame, palco com instrumentos musicais para ensaios e jam sessions, aparelhos de musculação, muro para grafitar, sala de tatuagem e até um bar que serve um dos melhores açaís de São Paulo. Arrepiou. (KÁTIA LESSA)
O escudeiro oficial do Rei
O simpatia aí em cima é Genival Barros, o fiel escudeiro de um rei. O paraibano de Campina Grande trabalhava como técnico de som do programa Jovem guarda, um dos maiores sucessos dominicais dos anos 60 na TV Record. Até que um dia, quando o programa acabou, recebeu pessoalmente o convite para operar a mesa de som nas apresentações de Roberto Carlos. De 1965 a 1996 ele não apenas controlava timbres e volumes, como também era o guardião do microfone mais nobre da música brasileira. Hoje é ele quem controla todos os detalhes de produção dos espetáculos, com uma equipe de 54 pessoas, que mais parece uma família de tão íntima. A cada show, recebe no mínimo 30 telefonemas de pessoas com as quais não falava há meses. Todos interessados em convites. Genival está há mais tempo com o Rei do que com a esposa. São 43 anos no mesmo emprego contra 42 com a mulher, que, assim como os quatro filhos e oito netos, é mais uma súdita fiel, que reúne todos para conferir o especial de fim de ano do Rei. O manda-chuva do palco de Roberto diz que em todos esses anos nunca enjoou das músicas do amigo e que ainda falta decorar algumas letras. Conta que, entre os 3 mil discos de vinil e 600 compactos simples que tem em casa, está uma bela coleção do patrão brasa-mora. Quer ter idéia da fidelidade? "Cuidei do som nas apresentações de Tony Bennett, Steve Wonder e Sinatra no hotel Palace, no Rio. Sou apaixonado por Beatles e todos aqueles efeitos sonoros que eles criaram. Mas bom mesmo é o Rei", conclui entre gargalhadas. (KL)
O trabalhador mais fiel do mundo
Durante o processo de desenvolvimento e pesquisa de minha última coleção - "A loja de tecidos" -, vinha investigando profissões e processos em extinção em torno do "fazer roupa", quando conheci o senhor Walter Orthmann e sua linda história na tecelagem Renaux View, de Brusque, em Santa Catarina. Com 85 anos, ele é hoje o profissional com mais tempo de carteira assinada numa mesma empresa no Brasil: são exatas sete décadas na Renaux View. Em homenagem à história do senhor Walter, criei uma bolsa especial, com uma reprodução da página principal de sua carteira de trabalho. Ele só não está no Guiness dos recordes porque na Itália existe uma pessoa com um ano a mais de registro. Não fosse essa italiana ter sido registrada aos 13 anos na empresa da família, mesmo sem nunca ter trabalhado lá, o senhor Walter teria o título mundial. O mais bacana não é apenas seu recorde, mas o fato de ele ter dedicado toda a sua vida aos processos de pensar, fazer e vender tecidos. Além de conhecimento técnico, é capaz de decifrar a composição das "fazendas" pelo cheiro e pelo barulho que o tecido faz no ar. Segundo ele, o tempo voou, e a aposentadoria ainda está longe. "Ainda tenho muito o que aprender", diz. (RONALDO FRAGA, ESTILISTA)
O homem de 3 mil vozes
Luiz Ernesto Kawall não vê a menor graça no mímico Marcel Marceau, nem realiza negócios se a proposta for trocar mil palavras por uma imagem. Jornalista aposentado, 79 anos, ele é um apaixonado pela voz e há 40 anos faz disso um trabalho: cataloga registros de vozes de personagens importantes da política e da cultura do mundo inteiro. A coleção com cerca de 3 mil registros espalha-se pela sala do seu apartamento em centenas de LPs, fitas K7, CDs, onde repousam em improvável organização as vozes de Hitler, Gandhi, JK, Thomas Edison, Getúlio Vargas, John Kennedy, Manuel Bandeira, Câmara Cascudo, além de coisas tão curiosas quanto afetivas para Kawall, como um raríssimo registro da voz de Santos Dumont e a interpretação em português, com carregado sotaque, de "Luar do sertão" por Marlene Dietrich. A "vozoteca", como ele chama, começou na década de 50, quando ganhou um LP com discursos do virulento Carlos Lacerda, presenteado pelo próprio. De lá para cá a chegada de novos exemplares é quase diária. Os últimos ele exibe com orgulho: Albert Einstein, um mais antigo do que possuía de Gandhi, e um discurso de Fidel Castro junto com Che Guevara. Aliás, pelo tempo que gastava falando, só Fidel parece mais apaixonado pela voz do que Kawall. A coleção está aberta a visitas, basta agendar por telefone, (11) 3062-0015. (RODRIGO LEVINO)