por Redação

Alimentar-se deixou de ser algo simples. Como tudo, teremos de repensar o modelo de ato tão primário

Caro Paulo,

Alimentar-se deixou de ser algo simples. Foi-se o tempo em que comer era simplesmente matar a fome de maneira prazerosa. Hoje, a decisão do que vamos comer vem tão cheia de informação e escolhas, que às vezes precisamos de especialistas em nutrição e meio ambiente para orientar nosso cardápio. Não é por outra razão que a Trip dedica tanto espaço ao tema. É verdade que as grandes tradições da civilização sempre tiveram conhe­cimento e sabedoria na produção e no uso do alimento da vida em to­das as suas formas. Mas por algum tempo perdemos o contato com essa sabedoria e, por conseqüência, engordamos mais do que queríamos, cansamos a terra e poluímos a água e o ar. Com o advento da sociedade do conhecimento, se não resgatamos a sabedoria, pelo menos estamos mais bem informados sobre o que comemos e sobre seus malefícios e benefícios para o nosso cor­po e o nosso planeta. Tem gente que acha tudo isso uma chatice muito grande. O Bush deve ser uma dessas pessoas. É o tipo de gente que não lê o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em português) e, só porque a conclusão impõe alguma reflexão, amadurecimento e mudança de nossa atitude perante a realidade, já rejeita o estudo dos 600 cientistas dizendo que é infundado e alarmista. São pessoas com visão de curto prazo, que preferem se apoiar em emoções e prazeres imedia­tos, do que se apoiar nos fatos e na ciência para fazer escolhas cons­cientes, responsáveis e maduras.

Não estou dizendo que é fácil amadurecer. Embora arriscado, é muito gostoso viver sem consciência e sem informação. Sou de uma geração que viveu a juventude num ambiente tão permeado de sonhos e libertação que a última coisa que queríamos fazer era pensar duas vezes antes de agir. Éramos movidos pelas emoções reprimidas nas gerações anteriores que, por sua vez, fizeram sua história sacrificando seus prazeres em nome do atendimento de suas necessidades de sobrevivência. Essas gerações plantavam o que comiam e geladeira era um luxo para poucos. Minha geração viveu a instalação e o auge da sociedade de consumo. Com as necessidades básicas atendidas, pudemos nos dedicar ao prazer sem pensar. Foi muito divertido, como até hoje é divertido ser jovem, emocional e inconsciente. Mas o mundo mudou. Hoje se fala de uma sociedade de consumo consciente. Não existe mais espaço para atender a necessidades e satisfazer prazeres sem pensar. Melhor dizendo, não existe mais tempo para viver como vivíamos sem comprometer nossa saúde pessoal e a vida do planeta. Temos informações demais para nos comportarmos como ignorantes. E a vida é boa demais para pararmos de sonhar e nos divertir.

Sapo cozido

A pergunta é: como integrar o atendimento de necessidades básicas de pessoas que ainda nem têm o que comer com o prazer do sabor, das texturas, da cor e das temperaturas dos alimentos preparados com cari­nho e talento; com o conhecimento e a consciência que nos garantem saúde numa vida cada vez mais longa num planeta cada vez mais esgotado? Com certeza não é brincando de esconde-esconde com a verdade e empurrando a realidade com a barriga cheia de porcarias que mais nos engordam e adoecem do que nos fortalecem. Eu não vejo alternativa. O caminho pode não ser claro, mas eu sei que é novo. E oferece imensas possibilidades para quem optar por reinventar nosso estilo de vida com consciência, prazer e competência. Eu disse “para quem optar”, porque, diante dos limites que a realidade nos impõe, é preciso optar entre o lamento e o questionamento, entre o medo e a criatividade, entre o passado e o futuro, entre o conhe­cimento e a ignorância, entre amadurecer ou permanecer iludido. Sem fazer uma opção consciente corremos o risco de morrermos como o sapo na panela, que não percebe a água esquentando e morre porque não tem forças para pular fora. Eu não gosto de sapo cozido nem quero morrer de aquecimento global. Por isso já optei: se alimentar-se não é mais tão simples quanto a gente gostaria, vamos fazer desse limão uma limonada. Tintim. Saúde.

Ricardo.

*Ricardo Guimarães, presidente da Thymus Branding, tem 58 anos e apetite de 18. Seu e-mail: rguimaraes@trip.com.br

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