por Redação

Colocar reflexão e negócios na mesma prateleira é questão de ponto de vista

Caro Paulo,

Queria usar a coluna para fazer um protesto e uma sugestão. Fim de ano, fui na Livraria Cultura especializada em Negócios, no Conjunto Nacional, comprar livros para me acompanharem nos prováveis feriados chuvosos de Natal e ano-novo no litoral norte. Um dos primeiros de minha lista era o Felicidade, do Eduardo Giannetti. Aquela livraria não tinha.

A sorte foi que o funcionário, bem preparado e interessado, lembrou: "Aqui não tem porque é só Negócios. Esse livro é filosofia, está na nossa outra loja que tem livros de todos os temas. Vou buscar num minuto que é ali do outro lado".

Eu podia ter ido lá buscar numa boa. Mas fiz questão de aceitar a delicadeza dele e ainda disse: "Traga mais de um para vender Felicidade também nesta loja". Então aqui vão o protesto e a sugestão: que se ponha filosofia nos negócios! E entendam isso na extensão que sua ambição te levar.

Pode ser a prosaica questão de misturar ou não as prateleiras de filosofia e negócios dentro de uma livraria ou pode ser a necessária reflexão sobre o sentido do progresso, da economia e do nosso estilo de vida na viabilização da sonhada felicidade.

Retinas fatigadas

Ironicamente, a obra do Eduardo Giannetti é justamente sobre o sentido de tudo isso na vida. O que a civilização está fazendo com todo o poder conquistado sobre a vida? Que, aliás, você quer saber? Não é tanto poder assim.

Estou com um problema nos olhos que dificulta qualquer tarefa que exija vista boa para ser executada. Como escrever esta coluna num computador, por exemplo. O problema é bem estranho, inclusive para os oftalmologistas. Não se sabe como surge nem como desaparece. Chama-se retinopatia cerosa macular central. Aparece uma mancha no meio do olho que escurece uns 50% toda imagem que passa por ela e o olho todo perde uns 30% de luz comparado com a visão normal. Deu só no olho esquerdo, o que complica ainda mais a visão: a imagem fica fora de foco e balançando como se eu estivesse tentando ajustar as dimensões diferentes que cada olho capta da realidade.

É tão desconfortável quanto ler aquelas revistinhas 3D que precisam de óculos para ver. Só que esses óculos não existem. Meu médico fica até constrangido de dizer que não há nada a fazer. Como vem, vai. Leva de três a quatro meses para desaparecer. Nada a fazer. Como assim, nada a fazer!? É. Nessa altura do progresso da ciência e da tecnologia ainda existem respostas como essas.

Experimentar a impotência diante de um bem tão valioso para mim, como a minha visão, colocou à prova muitas das minhas convicções sobre o sentido do limite em nossa vida. Nessa hora o Giannetti foi excelente companhia, apesar do texto em 3D.

Qual é o sentido do poder e do não-poder? Com qual dos dois você se relaciona melhor? O talento do Robinho, do Santos, que é um poder extraordinário, o obriga a ser um grande craque. Ele tem um dever oriundo do poder. E está todo o mundo de olho nele para ver que cavalo esse potro vai dar.

Poder é dever

Minha visão prejudicada não gera um dever, pelo contrário, eu poderia dizer que não posso trabalhar porque estou com dificuldade de ver. Minha limitação gerou um direito? não trabalhar? e me livrou de um dever ou um poder? trabalhar. O que é mais difícil? Ser responsável pelo poder ou ser vítima de um não-poder?

Quando você é gerente ou presidente de qualquer coisa, se sente responsável pelo poder ou se sente vítima do não-poder, por mais poderoso que seja o seu cargo? Vítima ou responsável? Criador ou criatura?

É, meu amigo, que delícia que é filosofar. Pena que aqui no Ocidente a gente separe a filosofia da vida. Uma vez, me disseram que no Japão não existe tradução para a palavra filosofia pelo simples fato de não existir filosofia na vida. O que existe é a vida. Abaixo as prateleiras de filosofia! Que ela se misture na indústria e no comércio, na ciência e na tecnologia, na cama e na mesa, nos esportes e no turismo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na vida e na morte, assim na terra como céu. Amém.

Que Deus te abençoe, amigo.

Abraço do amigo,

Ricardo.

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