Fernanda Tavares

por Ronaldo Bressane
Trip #167

Dona de certeiros olhos pretos, a modelo é moça de família que fica ruborizada

A moça não pára quieta. Senta sobre uma perna, se remexe, se reacomoda, senta sobre a outra. Cruza, descruza-as longuíssimas dentro do jeans largo. Se aproxima, se afasta, arruma o cabelo para trás das orelhas, coça o nariz – está gripada –, gesticula com as mãos espalmadas, arregala aqueles olhos muito pretos sob as sobrancelhas retas, tesas. Massageia a nuca por sob o moletom com estampa de Piu-Piu, apóia o queixo com a mão, cruza os braços. Isso tudo em poucos minutos, para contar algo simples – como o desembarque no mundo da moda, em Nova York, aos 15 anos, sob o inseparável guarda-chuva da mãe. Um jeito meio engraçado de dominar a atenção do interlocutor (isso se você não reparar demais
naqueles olhos).


Até dois anos atrás, Fernanda só voltava ao Brasil para passar o Natal. O resto do ano era Milão, Paris, Los Angeles, Londres. Mas decidiu ficar mais tempo por aqui durante a gestação e nos seis primeiros meses de Lucas, seu filho com o ator Murilo Rosa. “Vim me aquietando. Tem um momento que a gente não precisa ficar tanto tempo baseada em Nova York. Como sou bem família, prefiro ficar aqui”, conta, em seu apartamento nos Jardins paulistanos – ela mora no Rio, na Barra, e mantém ainda um posto avançado em NY.


Aos 16 anos, demonstrava a personalidade presente no queixo anguloso. Peitava fotógrafos que a queriam fazer de dummy (“Tá cansada, filha? Dá três voltas ao redor dessa árvore”, lhe disse um lambe-lambe insensível na África do Sul) ou editores de moda que a mandavam ficar quieta no camarim (“Quem é você pra me mandar calar a boca?”, ela devolveu, aos 18, num desfile parisiense). Tempos depois, já tinha desfilado para tantas maisons importantes que citá-las todas aqui faria Fernanda parecer vestida com um daqueles macacões de F-1.


No entanto, quando se encara Fernanda assim, em frente de um chocolate quente e
de moletom, meio gripada, um tom levemente rosado a rodear os olhos denunciando aquela leseira de gripe, cabelo preso atrás, simples, bem simples, um perfume doce no ar, lembrando leite, sim, a gente fica procurando.


Onde está a supertop model? Até a natural desaceleração causada pela gravidez, Fernanda
dominava geral, formando o time de brasucas gostosas que desbancaram as magrelas de capas e passarelas – Gisele Bündchen, Alessandra Ambrósio, Adriana Lima, Ana Beatriz Barros. “Mas eu vou voltar, viu?”, ameaça, sotaque suave de potiguar, inflexão meio moleca.


Antes, o descanso com a família. Guardada a sete chaves – tanto ela quanto Murilo desaprovam o desgaste da dupla exposição. Cuidadosa para não criticar nenhuma colega, diz que, “uma vez que você abre a portinha, não volta mais atrás, e aí a privacidade já era”. Casada há quatro anos, jura que sempre quis ter uma família. e quer ter mais dois filhos. “Ainda bem que achei o cara certo na hora certa”, afirma, apontando no senso de humor do marido a razão da sua conquista. E também da comunhão com os valores tradicionais. “Casar e ter família jamais poderiam ser por acaso, tudo tem que ser planejado!” Certinha, é: envergonha-se de um atraso, não gosta de parecer diva durante o trabalho, dá bom dia aos vizinhos.


A moça família é também ardorosa defensora da pele dos bichinhos – é uma das faces mais
conhecidas da PETA, de quem estrelou campanha famosa em 2003. “Usei pele no início da
minha carreira, mas um dia caí na real e aí decidi não usar mais, cheguei em casa chorando.
desde 1999 não visto”, conta. “Perdi grana com isso: uma vez, por exemplo, cancelei um desfile em Paris quando me recusei a usar um casaco de pele de coelho.” Em 2002 também parou de comer carne: o motivo foram duas cabeças de vaca entrevistas numa lata de lixo em frente a um açougue nova-iorquino. “Não consigo entender aquelas velhinhas ricas passeando com seus cachorrinhos, vestidas com casaco de pele de raposa. Uma vaca que alimenta dez famílias consome a alimentação de 500 pessoas, água, área desmatada, cereais, sem falar no impacto ambiental.”


E o que pretende fazer, além de chamar a atenção para sua causa? “Estou pensando
nisso. Tenho umas idéias, mas ainda não está certo, não quero falar.”, faz mistério.
Aos 27, afirma não ter frescura de idade – nem quer encerrar a carreira tão cedo. Nunca
foi de fazer academia, nem de esportes, mas agora, com a gravidez, resolveu se mexer. “Não
quero ficar rotulada como mãe, apesar de estar apaixonada pelo Lucas. Mas também não quero ficar naquela coisa de ‘agora não vou fazer mais Victoria’s Secret, não vou mais fazer ensaios sensuais’. Acho que estou no auge do meu corpo.”


Posar nua, jamais. Ou talvez, dependendo do fotógrafo. “La Chappelle não, mas um Michael
Thompson quem sabe. sou supertímida, não sei se na hora teria coragem”, sorri, e um leve
rubor passeia por suas maçãs do rosto – sim, creia, leitor, ainda existem moças que ruborizam.
E aí o repórter entrevê, na moça gripada e simpática de moletom, a tal star quality: aquela
mistura indefinível e explosiva de uma simpatia ingênua e certa promessa de felicidade.
adensada pelos certeiros olhos pretos, que, coisa rara, jamais desviam da mira. O que deixa
qualquer interlocutor meio zonzo.


Como essa moça não pára quieta, nove meses de gravidez mais seis meses de exclusividade
para o pequeno infante são suficientes.
Uma semana depois deste ensaio, ela já voou a Nova York para reatar contatos e refazer contratos. Logo ela pega outro avião e vai ali fazer um ensaio. E logo ela pega outro e mais outro e então ela vai lembrar o mundinho fashion de quem é que manda.

Coordenação Adriana Verani e Regina Trama Produção Marina Manzoli Estilo Bianca Bertolaccini Produção de moda Thais Gomes Maquiagem Bruno Miranda (Glloss) Assistente de fotografia Davi Lima Agradecimentos Rafic Farah Créditos de moda Adriana Degreas (11) 3333-3331 Depósito São Jorge (11) 3081-0844 Guaraná Brasil (11) 3061-0182 Miss Victoria (11) 3815-1305 Guaraná de Rolha (11) 3871-2258

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