Parceira do fotógrafo há quase 60 anos, ela fala sobre a falta de reconhecimento que ainda permeia seu trabalho ao lado do marido e conta como administrou a família e a carreira do casal
Se o olhar sensível de Sebastião Salgado tocou e transformou tantas pessoas ao redor do mundo, esse êxito tem mais um nome: Lélia. Parceira de vida e obra do fotógrafo há quase seis décadas, foi ela quem comprou a primeira câmera fotográfica do casal e, desde então, desempenha um papel fundamental no trabalho que construíram juntos, organizando expedições, mostras, editando livros e ampliando o alcance dos registros de Sebastião. Lélia Wanick Salgado não aceita ser classificada como a mulher "por trás" de um grande homem e, aos 76 anos, faz questão de reivindicar seu crédito quando alguém elogia apenas seu marido pelo livro que ela construiu. "A mulher ser colocada em segundo plano me irrita profundamente e cada dia mais", diz.
Caçula de nove irmãs e mãe de Juliano e Rodrigo, ela também é fundadora do Instituto Terra, que recriou uma floresta em Aimorés (MG) com o plantio de milhões de mudas. No papo com o Trip FM, Lélia fala sobre maternidade, a morte precoce dos pais, a fuga para Paris na época da ditadura e muito mais. “Eu ainda choro, depois de cinquenta anos, a morte de meus pais. Foi um golpe duro. Na minha cabeça, eu tinha que me virar, pois perdi minha família, meu sol, meu país, minha farofa, meu feijão. Foi duro, mas foi uma vitamina para a minha capacidade de adaptar”, conta. Você pode ouvir a entrevista completa no play nesta página ou no Spotify.
Trip. Você se irrita com o papel secundário que a mulher pode tomar em uma dupla como a sua e o Sebastião Salgado?
Lélia Wanick Salgado. A mulher ser colocada em segundo plano me irrita profundamente e cada dia mais. É de uma injustiça profunda. É irritante uma pessoa abrir um livro ao lado de um artista e elogiar somente o artista. Hoje em dia, com 76 anos, eu sinto que tenho direito de falar: “Quem fez fui eu, não ele”.
Você acha que o Sebastião dava peso correto ao seu trabalho? O Sebastião não dava peso ao meu trabalho. Não era comum, naquela época, alguém valorizar o esforço da mulher. Mas à medida que a gente foi vivendo ele entendeu que o trabalho era conjunto – e feito por nós para a nossa família. Logo a gente entendeu que juntos éramos uma força.
Você perdeu os pais muito cedo e em um intervalo curto de tempo. Como fez para superar isso? Até hoje eu não consegui superar a morte dos meus pais. Eu ainda choro, depois de cinquenta anos. Não é fácil ter tido eles por apenas vinte anos: foi um golpe duro. Na minha cabeça, eu tinha que me virar. Eu perdi minha família, meu sol, meu país, meu feijão. Foi duro, mas foi também uma vitamina para a minha capacidade de adaptação.
Quais lições você aprendeu mais tarde, quando teve o Rodrigo, que nasceu com síndrome de Down? Meu filho me ensina muito, justamente pela diferença. Viver com uma pessoa que não é igual a todo mundo muda a nossa maneira de ver o mundo e as pessoas. Também ensina a ter paciência com as diferenças dos outros.
Créditos
Imagem principal: Arquivo pessoal