Fé em Deus e pé no freio

por Luiz Guedes
Trip #218

A barulheira infernal não era o maior problema do DKW

A barulheira infernal nem era o maior problema: sem freio motor, o DKW deixava a desejar em segurança e tocava o terror em descidas de serras, quando os freios a tambor podiam superaquecer

O ano de 1956 viu nascer o primeiro automóvel produzido no Brasil: o DKW, que todos chamavam de “decavê”. O modelo alemão, nacionalizado pela empresa Vemag (que seria absorvida pela Volkswagen anos mais tarde), diferia de tudo que era tido como convencional, na época. A começar pela mecânica, comandada por um motor dois tempos de tração dianteira: até hoje, o DKW foi o único carro nacional a exibir a configuração peculiar.

Dizer que o DKW era barulhento é um pleonasmo. Mas o ruído característico acabou virando marca registrada e o carro conquistou uma fiel legião de fãs, facilmente identificados pelo cheiro que exalava do escapamento e impregnava a roupa: a mistura de óleo e gasolina necessária aos motores dois tempos. Por conta de sua configuração mecânica, o DKW também não oferecia o chamado freio motor. Por isso, acabou tachado de pouco seguro. Sobretudo nas descidas de serra, quando havia risco de os freios a tambor superaquecerem, causando o chamado fading (sumiço, em inglês). Ou seja: iam-se os freios.

DEIXAVÊ

O carro tinha outra peculiaridade: o sistema de roda livre, que, ao ser acionado, deixava as rodas girarem quando se tirava o pé do acelerador. Ótimo para economizar combustível, mas temerário para frear na descida. “Bobagem”, defende o jornalista Flávio Gomes, 48 anos, proprietário de nove exemplares do DKW-Vemag. “Esses boatos fazem parte do folclore automobilístico nacional, que dava seus primeiros passos na época. Tais acidentes eram fruto da inexperiência dos motoristas brasileiros, que deixavam de conduzir charretes para dirigir automóveis”, argumenta. “Tanto o DKW era forte, econômico e seguro que acabou fazendo sucesso nas mãos de quem mais exige de um carro: os taxistas”, emenda.

Dois anos após o lançamento da perua Vemaguet, foi a vez do sedã Belcar chegar ao mercado. Em 1964, a família ganharia o luxuoso Fissori. Por conta do mecanismo invertido de abertura das portas dianteiras nos exemplares produzidos até 1963, perua e sedã ganharam o apelido “deixavê”, referência ao malabarismo que moças de vestido tinham que fazer, sob olhares ávidos, para entrar e sair dos carros.

A cobiça que o DKW-Vemag desperta nos colecionadores até hoje é impressionante. Principalmente considerando que o modelo ficou no mercado apenas 11 anos. Salvo grade frontal que ganhou em 1967, não sofreu nenhuma grande mudança de estilo. Não foi à toa que virou o pioneiro dos clássicos nacionais

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