Fazer é sempre projetar

por Luiz Alberto Mendes

Medo

 

Acho que desde pequeno sempre tive o maior medo do ser humano. Da dor que poderia me infringir, da provável traição que poderia me atingir, da possível covardia que poderia me fazer, das fraquezas, da violência e de todo o mal que era capaz de cometer contra mim. Hoje, pelo que sou, tenho quase certeza de que se fosse deixado em paz, talvez não tivesse feito mal a ninguém, a não ser a mim mesmo. Fazer é projetar; a reação é sempre seu devir, seu resultado. O feito, prova a existência do futuro implícito e inerente.

Em contra partida, se fosse deixado em paz, a imobilidade me levaria ao que? Talvez a ser um pacato cidadão? Duvido. Estou mais para acreditar que seria um ser amargo e frustrado, cheio de sonhos não realizados. Porque as dificuldades, os obstáculos e os opositores sempre alimentaram minha disposição de ultrapassar, vencer e seguir em frente. Quanto mais oprimido, mais radicalizo e ganho forças. O desafio me seduz completamente. As pessoas são assim e não percebem. Vejam os esportistas, os músicos, os atores... Quando há desafios eles vão fundo, se munem de uma coragem e de uma valentia que os faz ultrapassar qualquer barreira que se lhes anteponha. Depois, quando já ganharam fama e dinheiro, relaxam e tranquilizam-se. Então vem a paz. Suas forças se diluem na preocupação em manter o status adquirido. É então que começam a fracassar, a cair, a inspiração como que se esvai e a arte fenece. Não jogam, não lutam mais nada; não compõe, não atuam, não escrevem, não cantam mais como antes. Não produzem mais nada com o mesmo valor de quando viviam em enormes dificuldades.

Esse medo do ser humano começou com meu pai. Ele me espancou, apavorou e assombrou minha infância até que eu ganhasse coragem e fugisse de casa aos 11 anos. Estou por minha conta desde então. 50 anos exatos. Depois as pessoas na rua; os tarados (que ofereciam dinheiro, comida e uma cama para dormir), a policia que só me pegava para bater e tomar de assalto o dinheiro que eu tivesse. Naquele tempo (ditadura militar) eles tomavam tudo, torturavam, espancavam no meio da rua e matavam mais que a peste, impunemente (vide "esquadrão da morte"). As pessoas comuns corriam atrás de nós para nos linchar a pauladas e pontapés. Nós, os ladrõezinhos de rua, éramos o "ó" do mundo. Estava liberado nos espancar, todos gostavam de nos ver apanhando como cães. Até que alguns deles começaram a ser esfaqueados, baleados, então passaram a temer e respeitar.

Depois foram os "tiras" do DEIC que torturavam metodicamente. Aos 14 anos de idade conheci o já famoso e institucionalizado "pau de arara"; depois os "pau de esculacho"; "pau de afogamento"; "pau de estrada"; e outras invenções dos torturadores, como sal na boca, pneu de carro no pescoço, afogamento no saco plástico... Quando finalmente aos 19 anos de idade, após balearem e torturarem por quase 4 meses, me prenderam definitivamente. Então foram os guardas de presídio que sacaneavam e batiam de cano de ferro. Cacete de pau, eles diziam, só servia  para massagear as costas de ladrão. Os valentões de cadeia, os estupradores de cadeia (matei um desses na prisão e esfaqueei vários) e o choque da PM que quando não invadia a prisão atirando, batia em cada um de nós ali submetidos, indo de cela em cela.

Vencer esse medo para não viver apavorado e sobreviver a todo esse show de pancadas contínuas, foi trabalho duro. Foram anos, décadas de disciplina, exercícios físicos de auto-defesa, estudos, reflexões, auto-análise e umas encostadas na parede para não sair da prisão um monstro, como vi muitos saírem para morrer, matar ou retornar. Estou completando 10 anos aqui fora sem qualquer problema com a polícia, com a justiça, ou ainda com as pessoas. Por mais que se esforçassem não me derrotaram; apenas me encheram de razão para continuar, progredir e vencer, para que eu vou querer paz?

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Luiz Mendes

12/09/2013.

       

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