Sua felicidade depende de você

por Luara Calvi Anic

Ex-diretor do Google largou tudo para tentar fazer 1 bilhão de pessoas felizes e honrar o filho, que faleceu vítima de um erro médico

O engenheiro Mo Gawdat perdeu o filho Ali, de 21 anos, após uma cirurgia de retirada de apêndice, em 2014, por um erro médico. Para lidar com essa dor, Mo pesquisou a fundo o tema "felicidade" e criou uma fórmula para ajudar as pessoas a eliminarem a tristeza de suas vidas. Em 2017, três anos após a morte do filho, ele lançou A Fórmula da felicidade, traduzido este ano para o português. Para ele, a felicidade é uma escolha. “É como ginástica. Se você não decide se tornar fitness, não existe caminho possível”, diz à Trip. 

O interesse no assunto começou antes mesmo do filho partir. Nascido e criado no Egito, Mo veio de uma família com poucos recursos e superou estatísticas ao se tornar diretor de negócios do Google X, a área de criações disruptivas da empresa. Ainda assim se sentia profundamente infeliz. “Quanto mais bem-sucedido eu me tornava, mais infeliz eu me sentia”, diz. Na época, com a ajuda do filho, começou a pesquisar o assunto e desenvolveu uma técnica que, segundo ele, consiste em analisar os fatos de maneira objetiva, eliminando expectativas e pensamentos negativos. No livro, ele nos ensina a dissipar seis ilusões que atrapalham a clareza do nosso pensamento quanto aos fatos, lista sete pontos cegos do cérebro e nos indica o foco em cinco pontos que nos ajudarão a acessar a felicidade: o agora, a mudança, o amor, a realidade da morte e o seu projeto, que, para ele, é a vida. 

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Assim, com essa consciência, aos 51 anos, Mo pediu demissão do emprego no Google para focar no objetivo de alcançar 1 bilhão de pessoas com seu livro, suas palestras ao redor do mundo e com um futuro app. “A ideia é compartilhar o que eu aprendi. Fazer essas pessoas felizes é um jeito de homenagear meu filho.”

Trip. Em A fórmula da felicidade, você escreve que quer fazer dez milhões de pessoas felizes. E agora aumentou esse número para 1 bilhão. É possível medir em que ponto está nessa meta? 

Mo Gawdat. Acho que estamos entre 37 e 45 milhões de pessoas atingidas. Não tem muito como quantificar porque não estamos tentando só pegar as pessoas que assistem os vídeos ou leem o livro. Meus vídeos já foram visto mais de 200 milhões de vezes ou mais. O que estou tentando medir são as pessoas que fazem duas ações ao mesmo tempo: aquelas que pegam a ideia de que a felicidade é uma prioridade pessoal, de que, se trabalhar para conseguir, você a atinge. E aquelas que, além disso, têm a compaixão de fazer outras pessoas felizes, compartilhando esse conhecimento.

Para você, ser feliz está sob a responsabilidade de cada um?  A felicidade é algo a ser aprendido? Sim, acredito cem por cento nisso. A principal suposição no meu trabalho é que a gente nasce feliz. Se uma criança tem as coisas básicas para sobreviver, ela é feliz. Então, é  importante entender que nós somos a razão de permanecermos infelizes. Todo meu trabalho segue a ideia da equação da felicidade: a sua alegria não é baseada no que acontece na sua vida, mas na comparação entre os eventos que acontecem e em como você deseja que sua vida seja. 

A infelicidade nasce dessa expectativa? Sim, a infelicidade é só um mecanismo de sobrevivência. É o seu cérebro dizendo para você que tem alguma coisa errada. Mas eu começo com a suposição de que nunca na minha vida meu cérebro me disse a verdade. Os pensamentos que acontecem na sua cabeça não são o fato – é o evento misturado com um pouco de invenção, memórias do passado, emoções. É o que o seu cérebro pensa que aconteceu. O jeito que ele usa para alertar você é na forma de uma dor emocional: tristeza, arrependimento. A infelicidade acontece quando você começa a trazer essas coisas de novo para a cabeça. Quase que uma dor sob demanda. Você pensa nisso de novo, se sente mal e ainda adiciona um pouco de drama ao fato. O ciclo incessante de pensamento a respeito de um acontecimento, comparando-o desfavoravelmente à nossas expectativas, leva ao sofrimento. 

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Você diz no livro que nosso cérebro pode ser treinado. Qual a sua técnica em relação a esses pensamentos negativos e compulsivos? Quando você chega no seu trabalho e seu chefe te cobra aquele artigo atrasado, você vai até seu cérebro e fala: "Hey, cérebro, pare de pensar no meu namorado agora e vamos pensar nesse texto?". Você diz para o seu cérebro parar de pensar obsessivamente em um assunto para que possa focar no trabalho. Digo a mesma coisa sobre a infelicidade. Está dentro das nossas capacidades, é uma questão de escolha pegar e dizer: "O que eu vou fazer? Como eu posso mudar isso?". 

E como saber se um pensamento obsessivo não se trata de uma verdade? Vamos pegar esse pensamento e simplesmente questionar: "É verdade o que você está me dizendo, cérebro?". Lembro que uma vez briguei com minha filha e disse pra ela: "Vou sair, tomar um café, pensar sobre isso e voltamos a falar". Enquanto eu caminhava, meu cérebro começou a falar "sua filha não ama mais você". Parei no meio da rua e falei para mim mesmo em voz alta: "Como você pode me dizer isso?!". Considero o meu cérebro uma terceira parte e tenho um contrato muito claro com ele, que é: "Você só está autorizado a trazer pensamentos bons ou úteis, que transformem minha vida ou o mundo um lugar melhor". 

Você já tentou fazer psicanálise? Nunca. Eu, na verdade, tenho muitos amigos que são psicólogos. Eles leram o livro e disseram: “Olha, todo nossa educação em psicologia e psiquiatria é destinada a voltar na história do paciente para encontrar onde o trauma começa. E a sua abordagem diz que não importa realmente onde o trauma estava, mas saber qual é a questão e, então, tratar isso”. A dor emocional é tão dolorosa que a gente tende a fugir, mas sempre sentei e trabalhei comigo mesmo para resolver. Isso me ajudou a ser quem eu sou hoje. Sento com a questão para processar e a solução começa a aparecer. 

E o que você diria para as pessoas que têm depressão diagnosticada. Como a sua fórmula pode ajudá-las? Na verdade, não pode ajudar muito. Antes de publicar, eu coloquei o livro on-line no Google Docs e convidei 120 pessoas que não conheço para lerem e me darem um retorno. Fiz uma pesquisa antes com eles e 8% eram realmente depressivos ou muito infelizes. Essas pessoas especificamente deixaram o livro na página 11, que é uma parte em que escrevo algo como "a felicidade é uma escolha". Eu falei com alguns e eles disseram: "Você está tentando me dizer que todo esse sentimento horroroso que estou sentindo é por minha causa? Não, eu estou infeliz porque a vida é muito injusta comigo". Quando você já está nesse lugar da depressão existem mudanças químicas no seu corpo e fica muito difícil escutar a lógica. Isso não é em todos os casos, mas, em geral, se uma pessoa não fizer essa escolha de se tornar feliz, ela nunca vai botar energia nisso. Nós temos uma pílula que vai acabar com a sua depressão? Não, na realidade, nós temos uma pílula que vai te ajudar a equilibrar a sua produção química, diminuir o seu pensamento incessante e dar espaço para você fazer esse trabalho. Quando as pessoas dependem apenas de medicamentos para depressão, elas vão ter que tomar uma ou duas pílulas todos os dias pelo resto de suas vidas e isso não vai fazer elas mais felizes, vai apenas diminuir os sintomas. Se você tem que tomar um medicamento, tome, mas faça a sua parte. Isso significa sentar, entender da onde vem a tristeza e ir removendo. 

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Você poderia me dizer como seu filho faz parte desse projeto do livro? Ali é tudo para mim. Ele estava sempre feliz, era muito esperto mesmo com pouca idade. Teve uma vez que minha filha estava muito animada na sala de estar e eu disse para ela parar, que aquilo era demais. Nessa hora eu me odiei porque uma coisa é a tristeza ficar em mim, outra é contaminar minha família. Eu não queria isso. Foi quando comecei a trabalhar na minha própria felicidade do ponto de vista de um engenheiro. E um engenheiro sozinho não é nada, você precisa de coração e alma –  e isso era o Ali que me trazia. Eu poderia descobrir muitas coisas com experimentos, análises e dados. Mas é muito incrível como ele, com quatro ou cinco palavras vindas do coração, esclareceu tudo na minha cabeça. E juntos nós desenvolvemos esse conceito que está no livro. De algum modo, ele é o pilar da minha abordagem e minha habilidade para encontrar a felicidade. Meu filho está por todo o livro porque ele está totalmente em mim, por todo o meu coração [diz emocionado].

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