Sofrer para aprender é uma fórmula fracassada, é preciso ir além e ter consciência do erro
Se existe alguém que pode falar de erros, esse alguém sou eu. Alguém duvida? Poucas pessoas cometeram tantos erros quanto eu. E erros catastróficos, daqueles que deixam marcas profundas. Acredito que existam ainda menos pessoas que depois tenham revertido essa rotina de erros e, a partir deles, construído alguma coisa.
Acredito que erros e fracassos são sedimentos que formam a base dessas ilhas ambulantes que somos. Não existe escola mais dura: errar e sofrer consequências. Erra-se por décimos de segundos e se sofre por décadas em consequência. Porém, não creio que o sofrimento transforme suas vítimas em pessoas melhores, necessariamente. Assisti a seres humanos sofrendo barbaridades. O resultado, invariavelmente, era revolta. Desejo furioso de vingança em busca de algum alvo. Vivi a dor em seus limites extremos e me revoltei completamente.
A dor, como instrumento de aprendizado, não funciona sem a consciência do erro. Na maioria dos casos apenas acovarda e desespera. No meu caso não deu certo. A consciência do erro foi acontecendo aos poucos. O caminho foi o do não conformismo e rebeldia permanente, que jamais permitiu que intimidações me amedrontassem. Encarei a dor e vi que dava para suportar e ainda pensar. Isso me salvou porque tive tempo para descobrir que eu mesmo fora meu algoz.
Atualmente vivemos um mundo de relatividades. A fórmula errar/sofrer/aprender fracassou. Esse método não dá mais certo. Não temos mais esse tempo todo para errar, sofrer e aprender. Aprender o quê? Que a dor que nos massacrou massacrará o outro também com a mesma intensidade que nos machuca. Isso é uma descoberta surpreendente. Esse é o berço da compaixão. Lá do fundo de nossa memória de dores sofridas, associando e relacionando-as com a dor do outro.
Talvez a melhor fórmula seja a fluidez. Ir errando e acertando, resolvendo as consequências e caminhando para a frente, simultaneamente. Claro, para depois refazer a sequência, mas com outros erros e atrás de outros acertos.
Mas será que viver é isso? Teremos necessariamente que errar para poder acertar? Não há como acertar sem errar? Acho que não. Pelo menos é o que observo. As pessoas que conheci com vida suave, sem passar por necessidades e tendo grandes apoios, não eram más pessoas. Geralmente pacíficos e bem legais. Mas vazios, sem substância ou efervescência. Não havia consistência, uma história que definisse a pessoa. Tendiam ao politicamente correto e aos chamados “bons costumes”, apenas. Saíam sempre pela mesma porta que entravam.
Fumar qualquer coisa
Pensei muito em meus erros. Voltei às cenas milhares de vezes. Sei da importância de manter ativa a lembrança do erro. A mente quer sempre absolver, justificar e acomodar os fatos. Sei por experiência que esquecer seria condenar-me aos mesmos erros novamente. Vivo a me lembrar: tudo traz consequências. Mesmo aqueles atos que nos parecem mais gratuitos; estes geram as piores consequências.
De verdade, tudo parece ter começo, meio e fim e já vem com etiquetas de certo ou errado para que pareça real. E tudo isso se torna inatingível a seres humanos comuns como todos nós. O que chamamos de real não existe. Talvez, para que alguém possa viver bem, ele tenha que beber uns tragos. Quem sabe fumar qualquer coisa ou comer chocolate não dê a tranquilidade de que alguém carece para viver? E o que é mais importante: viver bem, ter tranquilidade ou ser certinho, se cobrando caro a cada trago ou a cada baforada?
Tento construir alguma coisa consistente do que vão sendo meus dias. Continuo errando como todo mundo. Mas tomando mais cuidado para que meus erros não se repitam. Não me absolvo de nada. Carrego minhas culpas sem o peso do remorso, pois me formei a partir do conteúdo delas. O meu esforço é para que não sejam em vão o sofrimento e o prejuízo que causei a mim e a outros.
*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com