Parati para Mim
Por: Ronaldo Bressane
Editora confina três escritores novatos em Parati (RJ) com o objetivo de escrever uma novela
O desafio: escrever um texto de quarenta mil toques em quinze dias, tendo como cenário Parati (RJ). A idéia veio de Paulo Roberto Pires, jornalista, professor, escritor e editor da Planeta. Uma das maiores do mundo, a editora espanhola chegou ao Brasil este ano com um catálogo poderoso, disposição de investir em talentos pouco conhecidos e idéias originais. Pires escolheu três escritores da novíssima geração, todos na faixa dos 25, deu a eles laptops, estadas pagas ? e, raridade no meio, um adiantamento: R$ 1 500 para cada.
Os eleitos são Chico Mattoso, paulistano, tradutor e um dos editores da revista literária Ácaro; JP Cuenca, carioca, guitarrista da banda de surf music Netunos e autor de elogiados contos publicados na revista Ficções; e Santiago Nazarian, paulistano, vencedor do Prêmio Conrado Wessel com o romance Olívio e redator de roteiros de telessexo. Antes de Parati, nunca tinham se visto. Temi a convivência. Sei que gente cujo nome se imprime em papel possui ego grande. Mas encontrei amigos de longas caminhadas, bebedeiras e conversas sobre o que é escrever, conta JP no blog Carmen (www.carmencarmen.blogger.com.br). Para Santiago, ir a Parati abriu outro mundo para um cara introvertido, afirma do alto de 11 tatuagens o escritor, conhecido por performances de body art. Rolou competição? Nada. A gente combinou nunca falar sobre o que escrevia. Foi solidário, jura Chico.
Terra vista
Em baixa temporada, a parada Parati era um livro em branco. Uma noite, para quebrar a calmaria, o trio foi atrás de balada. Acabou num inferninho ? vazio. O jeito foi driblar a deprê nos drinques de Santiago, que trabalhou como barman durante uma temporada na Europa. Apesar da amizade etílica, a melancolia da cidade minou a escrita: por coincidência, as três histórias tratam de homens abandonados pelas mulheres. Em Emílio, Chico narra a odisséia nonsense de um sujeito largado pela namorada ? e pela cachorrinha. Na fantasmagórica novela de JP, A Carta de Pedra, um viúvo recebe cartas psicografadas da esposa. Santiago, em A Mulher Barbada, incorpora uma garota que escreve uma carta ao marido, um escritor que a vampirizava como musa.
Cada um levou talismãs para o desafio. Chico amparou-se em Radiohead e contos do norte-americano William Saroyan. Santiago refugiou-se no electro de Fischer Spooner e na literatura de Jorge Luis Borges. E JP, além da overdose de Chico Buarque, temperou sua experiência com um LSD. A noite embalada em ácido trouxe surtos de imagens e alguma nóia. De madrugada, liguei para o Chico, reclamando do som das patinhas das baratas correndo pelo quarto, ri-se JP. A marca da urgência caminha em cada um dos 120 mil toques de Parati para Mim. Da descrição que Santiago fez da cidade ? o calçamento de pedras balança, enquanto o mar está parado ?, surge uma chave para interpretar a Geração 00. Na literatura brasileira, a novidade não vem do além-mar: vem da terra.
Parati para Mim, de Chico Mattoso, João Paulo Cuenca e Santiago Nazarian
Editora Planeta, 118 págs., R$ 28