por J.R.Duran
Trip #223

Uma força estranha faz com que, em São Paulo, os erros se repitam

Uma força estranha faz com que, em São Paulo, os erros se repitam. A cidade se torna um lugar onde nada se cria, tudo se perde e nada se transforma. O tempo dirá, mas espero estar enganado

A árvore que estava disposta a cair sobre a minha casa, debilitada por suas raízes podres e descaso alheio, foi cortada. Não tenho certeza se isso aconteceu por causa de intermináveis ligações feitas, durante anos e anos, para a subprefeitura ou devido às fervorosas orações a Santo Expedito na hora em que uma chuva mais forte desabava sobre São Paulo. A incerteza de não saber se sua própria casa estará em pé no fim do dia é uma adrenalina que não desejo para ninguém.

O fato é que o perigo real e imediato sumiu. Para a minha surpresa, no lugar dela rapidamente uma outra árvore foi plantada. Uma sibipiruna que, em pouco tempo, já exibe suas folhas verdes e está subindo a um ritmo acelerado – algo que só pode acontecer em uma terra tropical abençoada por Deus e bonita por natureza. Essa é uma árvore que, de acordo com uma rápida pesquisa na internet, tem um “excelente efeito paisagístico, fornece uma sombra fresca e uma floração exuberante. Apesar do porte grande e do desenvolvimento rápido, ela é comportada e não produz raízes agressivas, sendo uma boa opção para arborização urbana, na ornamentação de vias públicas, praças e até mesmo em calçamentos”.

Fico contente em saber que a árvore é “bem-comportada”. O que não entendo é o porquê de ela ter sido plantada bem embaixo dos fios de eletricidade, telefonia e televisão a cabo que passam de um poste a outro por cima da calçada. Veja bem, meu caro leitor, se é sabido que a árvore tem um “porte grande e desenvolvimento rápido”, não é de todo errado imaginar que, dentro de alguns anos, ela vai atingir os cabos.

Lei de Lavoisier

Pode ser um vício inerente à minha profissão, mas a percepção dos detalhes é importante. Detalhes como esses – a árvore plantada embaixo do fio elétrico, a repetição do acontecimento que vai prejudicar o cidadão – falam claramente sobre como funciona o pensamento da cidade. O que me impressiona mais é a sensação de que isso é uma constante. Um movimento contínuo – a cidade não pode parar –, que não leva a lugar nenhum, porque os erros se repetem dentro de uma atitude que evidencia a falta de planejamento que, em maior escala, possa evitar a inundação nos mesmos lugares (as chuvas se repetem nos mesmos meses todos os anos) ou os engarrafamentos nos mesmos trechos de circulação. Culpar o descompasso da meteorologia ou o excesso de veículos é fácil. Difícil é se antecipar e resolver questões em atitudes que possam se tornar mais do que simples paliativos.

Lavoisier, o respeitado químico francês, estabeleceu em sua lei da conservação da matéria que, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Uma força estranha faz com que, em São Paulo, as coisas se perpetuem e os erros se repitam. A cidade se torna um lugar onde nada se cria, tudo se perde e nada se transforma. Só o tempo pode me desmentir. Confesso que espero estar enganado.

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PS: Escrevi dois meses atrás, neste mesmo espaço, um texto dentro do tema da revista, que era o novo ativismo, especialmente sobre o papel das mídias sociais nestes tempos de movimentos espontâneos e Harlem shakes. Deixei de acrescentar que um dos perigos da combustão digital é o da banalização das emoções. Logo, logo qualquer um poderá ser ativista por 15 minutos.

*J. R. Duran59, é fotógrafo e escritor - www.twitter.com/jotaerreduran

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