Era uma casa muito engraçada

por Arthur Veríssimo
Trip #187

Arthur conheceu o universo pintado de Oswaldo Monetegro, gênio para uns, droga para outros

Genial para alguns, uma droga para outros, a obra de Oswaldo Montenegro é polêmica. Nosso repórter excepcional entra no berrantemente pintado universo do “poeta da dúvida” e sai com uma certeza: Deus frequenta o Maracanã

Caminho pelo interior do shopping Rio Design observando o vai e vem dos consumidores. Estamos no coração do Leblon (zona sul do Rio), e deslizo pelos corredores até a portaria do flat que faz parte do complexo. Temos um encontro agendado com um dos artistas mais enigmáticos da música popular brasileira.

No 17° andar da torre cilíndrica vive o trovador e menestrel Oswaldo Montenegro. Ao longo da sua carismática carreira, gravou 38 CDs, 15 peças musicais e toneladas de trilhas sonoras para TV, cinema e balé. Sua trajetória remete ao clássico bordão “ame-o ou deixe-o”. Parte da mídia o elogia, e outra o detona. Por muitos anos, ele foi um dos alvos preferenciais do Casseta & Planeta. E ainda deu origem a um maldoso ditado: “Tudo na vida tem um lado bom, menos LP do Oswaldo Montenegro”. Ele leva numa boa. “A consagração do artista é existir entre esses dois polos, a crítica positiva e a negativa. Quando imprimimos a nossa assinatura, terá gente a favor e contra. Para alguns, o que realizo é uma droga. Para outros, o nirvana. Essa é a virtude de uma obra de arte.”

O elevador chega, e a porta do apartamento 1.705 já está aberta. Sou abduzido para o habitat do artista, um quadro vivo que Oswaldo pintou por inteiro, onde cores vivas e vibrantes escorrem por paredes, cadeiras, portas, geladeira, cortinas e janelas. Ali ele cria, dorme, assiste à TV, escreve, dança e vive em seu universo lúdico. Ali o artista destilou o melhor dos seus pensamentos e de sua filosofia de vida.

O que vem a ser isso (as pinturas que tomam todo o apartamento): abstracionismo, pintura lúdica, loucura? Isso é uma vontade de desabafar e de não só ficar o tempo todo fazendo arte, mas de viver dentro da arte. Não encontro hobbies ou lazeres que me encantem, com exceção dos artísticos. As cores são berrantes, alegres e intensas. Quase um ambiente infantil. Estava escrevendo um balé para o grupo Camaleão, sobre pintores. Fiquei estudando a vida deles e, um dia, vi o ateliê de Mirò. Tinha tintas que escorriam e manchavam as paredes e o chão. Fiquei encantado por aquele mundo em que a cor não tinha lógica, não tinha limites. E pensei: vou morar assim. Vou morar dentro de um quadro.

Oswaldo Montenegro seria, na história de Lewis Carroll, Alice ou Chapeleiro Maluco? A fusão dos dois. Mas eu não me defino aqui. Isso aqui é muito mais ligado a uma selvageria brincalhona, a um caos colorido. Não o caos como uma coisa depressiva, mas como uma coisa de felicidade, de alegria, de botar as coisas pra fora, mudar a cor do ambiente quando quiser. É claro que eu poderia mudar as cores com luzes. Mas fazer isso de forma artesanal é, acima de tudo, divertido. Pintando sou só uma criança desajeitada.

 

“Nunca vi um débil mental hesitar. Todo imbecil é convicto. O inteligente não tem certeza de nada”

Você usa alguma substância para se inspirar? Química? Nenhuma. Eu não uso droga nenhuma, nem bebo.
Nem café? Tomo muito café, muita Coca Zero.

Qual sua dieta?
Olha, eu como muita clara de ovo, de uma maneira inacreditável. É um hábito de jovem. Como muito pão. Sou vegetariano. Não como nada de carne. Mas nunca pensei nisso. Quando tinha 18 anos, parei de comer.

Percebi que você tem duas balanças no seu quarto. Tá sempre de olho do peso?
Tenho uma preocupação com o peso. Porque gosto da comida. Estou com 68 kg. Tenho 1,80 m. Vou fazer 54 anos. Estou sequinho.

Que xampu Oswaldo Montenegro usa?
Ah, estou cagando pra xampu [risos].

Suas canções florescem da ternura, da pureza e da inocência ou do mistério e do sobrenatural?
Dos dois. Tem uma música minha que fala assim: “Tudo que pensei saber ainda é mistério. O ciclo começa por onde: noite ou manhã? É sempre o mesmo deus ou troca como ministério? Eu sei que Deus frequenta a arquibancada do Maracanã”. Chama “Mistérios”. Sou uma pessoa que acredita na dúvida. Acho que a dúvida tem muita saúde porque você não pode estabelecer organizações poderosas em torno da dúvida. Você nunca vai ter um fanático liderando em nome da dúvida. Nunca vai ter um ditador que tenha dúvida. Todas as coisas que fazem mal no mundo vêm de certezas absolutas. Nunca vi um débil mental hesitar. Todo imbecil é convicto. O que caracteriza uma pessoa inteligente é ouvir o outro, não ter certeza absoluta de nada.

Tem uma história que circula na mídia de que oito psicólogos atestaram que você é deficiente mental. Por outro lado, você é superdotado para outras coisas. Que história é essa?
Todas as pessoas têm uma inteligência multifacetada, têm habilidade para algumas coisas e pouca para outras. No meu caso, isso é extremamente exacerbado. Principalmente na área da inteligência espacial. É o que o piloto, o arquiteto tem. E é isso que eu não tenho.

Qual a sua opinião sobre o pansexual do rock’n’roll Serguei?
[Risos] Eu acho que Serguei é uma figura muito bonita na sua expressão de liberdade. Um mestre na arte de abraçar arvores.

A crítica sempre bateu em você, não?
Graças a Deus. Eu sempre tive, em cada disco, DVD, os elogios mais exaltados e críticas poderosas. Isso sempre caracterizou meus discos de maior sucesso. Quando foi só elogiado, não aconteceu.

Alguns dizem “essa foi uma obra-prima de Oswaldo Montenegro”. Outros dizem, “outra droga de Montenegro”...
Isso é a consagração. Quando há as duas partes, aí você chegou lá. O que caracteriza o artista é a coragem. Gente que toca bem e canta bem tem milhões no mundo. Você tem que ser único.

Você tem um visual de druida, de mago.
Exatamente. Mas eu não sou nem druida, nem mago. Não me considero um poeta místico. Sou um poeta da dúvida.

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