Uma edição para falar sobre pessoas transformadoras, brasileiros que estão mudando o país
Durante a festa de entrega do Prêmio Trip Transformadores, no meio daquele genial transe coletivo que se desencadeia, um dos convidados me puxou de lado e, como se me alertasse para um grande perigo, disparou ao pé do ouvido: “Cuidado, já tem gente copiando essa ideia. Editoras grandes, jornais importantes, televisões...”, dizia o conviva com seu copo na mão e em tom de aviso urgente. Tentei fazê-lo entender que a ideia era exatamente essa.
Explico: a gênese do Trip Transformadores vem de uma percepção muito clara que tínhamos na Trip desde o início, lá atrás, em 1986.
Parecia evidente pra nós que o mundo já naquela época estava vivendo os primeiros movimentos de uma revolução que, mesmo que lenta e silenciosa, seria definitiva. Uma radical mudança na forma de pensar e agir. A tomada de consciência de que tentar blindar e isolar as partes pequenas do todo, sejam elas nossas próprias vidas, nossas famílias, empresas, cidades ou países, é absolutamente inócuo e sem sentido. Que, se não cuidarmos desse todo, parte isolada nenhuma vai ficar bem no final. E sabíamos, ou pelo menos acreditávamos, que celebrar as pessoas que praticavam essa visão inspiraria outras organizações mais poderosas a fazer o mesmo.
Uma das coisas mais incríveis de constatar não só nesses 26 anos de Trip, mas mais fortemente nesses seis anos do prêmio, é que essa consciência está muito mais nítida. Por mais que ainda estejamos mergulhados em problemas dificílimos no planeta, é impossível não ver sinais de mudanças radicais de comportamento aflorando em todas as partes do globo e em todos os setores da vida. Ditadores sendo derrubados, alguns lugares sendo recuperados, preservados ou no mínimo menos detonados, preconceitos e sofrimentos diminuindo, ainda que a fórceps, aqui e ali... corruptos sendo revelados, julgados e condenados...
De verdade, torcemos para que o espírito e as motivações desses nossos homenageados no Trip Transformadores sejam cada vez menos exceções. Torcemos mesmo para que chegue um dia em que premiar e homenagear quem entende a necessidade de se doar aos outros perca qualquer sentido, já que essa será de verdade a regra.
Movimento
Há poucas semanas, uma entrevista dada por um empresário da área de construção civil publicada no jornal O Estado de S. Paulo me chamou muito a atenção. É que, apesar de todas as mudanças de mentalidade em curso, ainda estamos acostumados a ver boa parte dos empresários associando seus discursos à noção de crescimento econômico a qualquer custo e dando a entender que qualquer coisa que não tenha como objetivo maior o resultado financeiro puro e simples é coisa de amador ou de poetas sem noção.
Não conheço o entrevistado. O nome dele é Alex Allard. Ele nasceu nos EUA, foi criado na Costa do Marfim e se radicou em Paris há muito tempo. Está se preparando para construir em São Paulo e deu essa entrevista à jornalista Sonia Racy. Grifei alguns trechos:
“Tem gente que me acha maluco – e eu sou mesmo [risos]. Mas a realidade é que o planeta está morrendo. Temos democracia – falando de modo geral –, ela funciona, mas não está nos levando a lugar algum.”
“Do ponto de vista religioso, a oposição entre islamismo e cristianismo nunca esteve tão grande. Politicamente, tem-se gastado mais dinheiro em suítes de hotel do que em ações que melhoram a vida das pessoas. A verdade é que o dinheiro manda, e estamos perdendo o respeito por quem trabalha. O mundo está ficando desumanizado. Estamos perdendo a noção de nossos cinco sentidos. Só que o mundo, para ser salvo, depende deles e da nossa criatividade.”
“A saída é a utilização da genialidade, do talento, em prol da coletividade, da sociedade. Isso representa valor para todos.”
Como já disse, não o conheço, mas torço para que não sejam só palavras bem articuladas e que em breve possamos ver esse e outros empresários atuando de maneira que seja coerente com esse tipo de visão. E, posso garantir, já há vários colocando em prática essa nova maneira de ver e de tratar o mundo. Muitos deles, não por acaso, estão aqui, nas páginas desta edição, que traz, além das pessoas, ideias e organizações que compõem e viabilizam o prêmio, a continuação delas próprias, personificadas na leva de novos transformadores que garimpamos, sem grandes dificuldades, diga-se, entre milhares de pessoas com menos de 40 anos que já entenderam tudo isso sobre o que falei aí em cima.
Uns dois anos atrás, nosso querido amigo e membro do conselho editorial da Trip, o cineasta e documentarista Carlos Nader, disse algo maravilhoso sobre o movimento chamado Trip Transformadores e a noite que materializa seu espírito: “Essa noite tem uma energia estranha... é doce, leve... mas ao mesmo tempo nos deixa mexidos, instigados, incomodados no melhor sentido...”.
É exatamente para isso que serve o Trip Transformadores. Para gerar essa energia que move tudo o que você verá nas próximas páginas. E que moverá o mundo para onde ele merece ir.
Paulo Lima, editor