Ela está descontrolada

por Caio Ferretti
Trip #199

Nossa ultraciumenta estagiária aceita participar de sessões de hipnose para se controlar

 

A propaganda de uma clínica paulistana garante: hipnose cura ciúme. Para tirar a prova, submetemos nossa ultraciumenta estagiária a quatro encontros com o hipnólogo que promete controlar seu sentimento de posse


Com um tom de voz grave, bem diferente do seu habitual, Odair sussurra algumas frases esparsas sentado em uma das poltronas de seu consultório. "Sinta o ar que você respira. O ar que traz calma, que traz tranquilidade. Apenas perceba e relaxe." O timbre se assemelha ao de um clássico locutor de rádio lendo uma declaração de amor no ar. As palavras surgem suavemente. Olhando para baixo, concentrado, Odair segue. "Perceba o contato do seu corpo com a cadeira. Solte os músculos e prepare sua mente para um transe profundo, uma hipnose profunda, com resultados profundos." À sua frente, de olhos fechados e deitada em uma poltrona reclinável, está a estagiária de produção da Trip, Stephanie Stupello. Já transitando rumo à inconsciência, ela ainda escuta: "Hoje você entrará em uma jornada de descobrimento, de conhecimento. Porque, quanto mais você se conhece, mais controle tem de si mesma. Mais controle tem de suas atitudes". E por que ela está ali, no divã? Stephanie é ciumenta. Muito ciumenta. E o psicólogo Odair Comin garante que pode resolver esse problema com algumas sessões de hipnose.

Veja só a dimensão do caso. De hora em hora Stephanie inspeciona meticulosamente a página de Facebook de um menino que nem sequer é seu namorado – é apenas um caso. "Poderia ser minha página inicial na internet, de tanto que eu entro." Se o rapaz fica online no MSN, Stephanie surta. Desespera-se imaginando com quem ele pode estar conversando. E o problema não é só com ele. Ela se morde de ciúme quando vê as amigas com os namorados. "Fico incomodada quando eles vão visitá-las na faculdade." E já chegou a ligar para um affair do irmão fingindo ser a namorada dele, para destruir a relação. OK, perfil ideal para testar as habilidades hipnóticas de Odair.

É o primeiro dia de terapia prática na clínica Delphos, em São Paulo. Enquanto Stephanie absorve as palavras sussurradas por Odair, para atingir o transe esperado, eu observo tudo ao lado. O consultório é pequeno, com duas largas poltronas de couro preto – uma para o paciente e outra para o hipnólogo. No chão, um ventilador bem simples gira incansável na tentativa de fazer o ar circular, já que a janela fica fechada para reduzir o barulho da rua. Também no piso, um umidificador de ar lança vapor para o alto. Tudo silenciosamente. Odair não quer que nada atrapalhe o transe dos pacientes. Tanto que, das nove lâmpadas disponíveis no teto, apenas três estão ligadas, para não clarear demais o ambiente. Os únicos ruídos que se escutam são o da voz do hipnólogo e o do mini-system que toca bem baixo um CD de barulhos da natureza.

É nesse espaço que Odair hipnotiza Stephanie para curá-la de seu ciúme. Na tentativa de convencê-la de que essa cura é realmente possível, Odair repete seguidas vezes durante a sessão: "Você pode, Stephanie. É claro que pode". Ah é? Mas como a hipnose pode resolver o problema do ciúme? Com a palavra, agora com o tom de voz normal, Odair: "A hipnose trabalha no nível inconsciente direto onde está a origem da formação do ciúme. É uma das melhoras formas de inserir conteúdo na mente, conteúdos que farão o paciente começar a pensar diferente para agir de outra forma. Na hipnose ericksoniana [criada pelo americano Milton Erickson], que eu trabalho, a pessoa nem percebe que está recebendo aquelas informações", explica. "Dizem que uma mentira dita mil vezes se torna verdade. Pois no transe basta dizer algo uma vez que já se torna verdade. O impacto do conteúdo que eu passo aos pacientes é muito maior com eles nesse estado. O que é o transe? Uma alta atividade psíquica direcionada para algo específico. É pegar toda a atenção da mente e jogar para uma coisa só. E isso as terapias convencionais não têm. Já recebi pacientes aqui que disseram: 'Fiz dez anos de psicanálise, sei tudo sobre mim, mas não consigo mudar'."

De hora em hora Stephanie inspeciona meticulosamente a página de Facebook de um menino que nem sequer é seu namorado – é apenas um caso



Freud explica

Mas, para trabalhar a mente em transe de forma precisa, Odair precisa antes mapear, com uma conversa, onde pode ter começado o sentimento de ciúme de cada paciente. "Tenho que ser cirúrgico. Se eu atirar para todo lado posso acertar, mas sem precisão de resultados e agilidade no processo. Por isso é importante o mapeamento para conhecer a origem do problema, saber as coisas que fazem bem ao paciente... são quesitos que ajudam a conduzir a atenção dele. Assim o canal da mente vai ficar aberto, e tudo que vier será aceito como algo bom." No caso de Stephanie, a conclusão foi a de que o sentimento possessivo veio da relação com a mãe. "Ela é aeromoça, sempre esteve muito ausente. E quando estava presente eu imaginava que ela tinha que dedicar 100% de atenção para mim e para o meu irmão. O que não acontecia. Isso se acumulou e tomou conta da minha vida, das minhas outras relações todas. Eu vivo uma realidade paralela", conta Stephanie.

É por isso que ela está ali agora, deitada na sala de Odair, já na segunda sessão de hipnose. Assim como no primeiro dia, Stephanie parece apagada. A cabeça que estava alinhada ao corpo tombou em direção ao ombro esquerdo uns 15 min após o início da prática. Suas pernas reagem com alguns espasmos, o que significa que a mente está trabalhando. Odair aproveita o momento de transe para sussurrar: "Como é bom se sentir dona de si mesma. Conectar-se ao real e saber que você tem o controle sobre o que vai fazer e falar". Solta mais algumas frases – sem nunca usar a palavra "ciúme" – e percebe que já está na hora de finalizar a sessão. Diz: "Agora você pode começar a se trazer de volta, percebendo novamente seu corpo, sua respiração, o contato com a cadeira...". Instantaneamente a cabeça de Stephanie, que estava caída para o lado esquerdo, volta a ficar alinhada ao corpo. E ela abre os olhos.

Conte-nos então, Stephanie, qual a sensação? "Senti que era uma cabeça flutuante, sem o menor controle sobre o que acontecia do pescoço para baixo. No primeiro dia eu estava com a mão apoiada na perna, e a impressão era a de que as duas coisas eram uma só. A mente viaja, havia horas em que eu estava concentrada na voz e de repente imagens abstratas tomavam conta. Na segunda sessão já me senti com um controle maior sobre o meu inconsciente e sobre as imagens que ele projetava. Lembro de um momento em que eu tinha no colo uma versão bem menor de mim, de uns 5 anos. Eu dizia para ela: 'Agora eu é que controlo. Você não tem condições de fazer isso'."

Eu voltarei

Outros casos parecidos já bateram à porta de Odair. Como o de Marlene, lembra-se. Há poucos anos ela estava prestes a perder o marido pelos seguidos ataques de ciúme. Era praxe vasculhar as roupas, a carteira, o celular e tudo mais à procura de indícios de infidelidade. Assim, beirando o extremo, ela partiu pra hipnose. Descobriu que a origem de seu sentimento de controle vinha da relação dos pais, também muito ciumentos um com o outro. Foram 15 hipnotizantes sessões na clínica Delphos. E o veredicto final que libertou Marlene. "Depois do tratamento ela lidava bem com o ciúme que tinha. Passou a ser um sentimento saudável", lembra.

No caso de Stephanie, foram três sessões de prática de hipnose. Odair acredita que a cura vem com pelo menos dez encontros, mas que os resultados já podem ser percebidos a partir do terceiro. Nossa Stephanie concorda. Ela garante que já deixou de investigar os Facebooks alheios – e isso desde a primeira sessão. "Sinto-me mais segura, mais confiante. Até conversando com as pessoas estou mais relaxada. Estava pensando: por mais que eu tente me preocupar e ter crises de ciúme, eu simplesmente não consigo! O doutor Odair havia falado que eu ficaria mais leve. E é como eu tenho me sentido. Ainda preciso de tempo pra perceber todas as melhoras. Mas com certeza elas aconteceram." E confidenciou a este repórter, ainda semi-hipnotizada, no fim de uma das sessões: "Acho que vou continuar vindo aqui por contra própria".

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