O açúcar está em tudo. E tem produzido um efeito nefasto sobre a saúde física e mental da humanidade
Conta a lenda que muitas décadas atrás, durante a realização de uma autópsia, o cérebro do falecido foi esquecido num canto da bancada de mármore do recinto reservado à operação.
No dia seguinte, para surpresa dos médicos legistas, o órgão continuava no mesmíssimo local, mas agora infestado de pequenas formigas que corriam em euforia, parecendo se deleitar sobre as reentrâncias daquela improvável iguaria. O episódio teria sido um dos primeiros indícios de algo que é hoje sobejamente conhecido: o cérebro humano não funciona sem doses consideráveis de açúcar. Para tentar ser um pouco mais preciso, a glicose, obtida dos alimentos ricos nos chamados carboidratos, é a principal fonte de energia dessa peça vital para você ser o que é. Memória de curto prazo, por exemplo, para citar apenas uma função fundamental para nossas vidas, tem relação direta com a ingestão de açúcar em doses adequadas. Indo um pouco mais longe, quem já passou fome de verdade ou viu um indivíduo vítima de hipoglicemia sabe o que a ausência de açúcar é capaz de fazer com um organismo.
Só uma coisa foi mais difícil do que construir uma edição capaz de abranger de forma razoavelmente completa um tema tão cheio de subtextos e diretórios: resistir à tentação de usar uma das mais surradas frases no panteão dos clichês ocidentais. Então, com a gana e a autoindulgência de quem olha para um pão francês saindo do forno fumegante e se entrega a ele sem culpa e com todos os dentes, aqui vai: “A diferença entre o veneno e o remédio é a dose”.
Há muito tempo, o arcabouço infinito de maluquices que fomos construindo à nossa volta na batalha doentia por aplacar o sofrimento existencial e saciar o desejo maluco por conforto via dinheiro, coisas e sensações em doses envenenadas acabou por entupir nossos organismos com quantidades industriais de lixo. Entre eles, se não o único, pelo menos o que mais chega perto de um consenso, unindo todas as correntes de cientistas e diletantes que estudam nossa condição sob as óticas mais variadas, está o excesso de açúcar. E não se trata apenas da substância alva e refinada que já moveu a economia do mundo e hoje em dia é acondicionada em sachês que as pessoas gostam de balançar entre os dedos antes de rasgar e derramar sobre o café.
Estamos falando de uma oferta absurda de todas as formas, visíveis ou não, dessa substância que, apesar de vital para a continuidade da espécie, ingerida em doses equinas, tem produzido um efeito nefasto sobre a saúde física e mental da humanidade.
Como disse o entrevistado das Páginas Negras, Dado Villa-Lobos, um tema sobre o qual deveríamos ser instruídos desde a primeira infância está, em plena era da informação, ainda encoberto por uma névoa grossa formada por partes iguais de ignorância e de estratégias deseducadoras e desonestas travestidas de propaganda da pior espécie.
Como diz a sabedoria popular, “a rapadura é doce mas não é mole...”.
Que nosso trabalho sobre o tema, aqui na revista e em toda a plataforma Trip, que inclui a revista Tpm, nossos programas de TV e rádio, eventos, sites e todos os suportes digitais que administramos na rede, possa servir para ao menos abanar um pouco a cortina de desconhecimento e sacanagem que nos mata silenciosamente e da forma mais amarga.