Do Morro pro asfalto
O bem-humorado açougueiro de Recife que virou o novo hit pirata da música pernambucana
Frame do Documentário RecBeat, fogo e chuva de Pedro Bayeux
Por Kátia Lessa Trip #184
em 15 de dezembro de 2009
O bom humor de João do Morro inspirou os piratas de Recife, que gravaram na surdina um show improvisado e jogaram nas ruas. Estourou. Foi a senha para o açougueiro virar o novo hit da música pernambucana
Em menos de um ano, João Pereira da Silva Jr. arrumou outra especialidade. Trocou os facões agudos por uma língua ainda mais afiada e deixou a carne moída light, especialidade que lhe rendeu um emprego no açougue durante seis anos, por plateias pra lá de gordas. Fenômeno da música pernambucana, João do Morro desceu a ladeira e invadiu o asfalto.
Se fosse para resumir seu sucesso, vale dizer que se trata de um típico caso à la Tropa de elite da música. Com sintomas parecidos com Calypso e Aviões do Forró. Um belo dia, um cara resolve gravar um show de um músico que fazia o povo rir em botecos do Morro da Conceição (comunidade carente do Recife) e em pouco tempo, o susto: “Tava ali andando, com meu chinelão, quando veio a carroça de som tocando ‘Balaiagem’: ‘Tem mulher que vai no salão pra dar massagem e escova/ e passa o dia inteiro no estica e puxa/ se bater um pingo da chuva, o cabelo fica feito bucha’. Primeiro nem reconheci minha voz, depois percebi que era eu ali. Eita, porra! O vendedor disse que custava R$ 5, que era sucesso, lançamento. Comprei e vi que não tinha foto minha na embalagem. A capa era um xerox da imagem de Nossa Senhora”.

De lá para cá, a carreira foi abençoada – faz de três a cinco shows por semana –, mas não sem passar por provações. Estourado nas carroças de som mais porretas da cidade, João resolveu levar o CD pirata para uma gráfica, com grana emprestada (o amigo nunca aceitou o dinheiro de volta) de um ricaço gente boa, cliente da época em que ele animava festanças em coberturas da cidade. Fez mil cópias e pouco depois era atração no Galo da Madrugada, o maior bloco de Carnaval do mundo. “Pirateei meu CD pirata. Sei que é ilegal, mas como é que eu posso ser contra isso? A pirataria me fez.”
Estourado em rádios e rodas de pagode devido às letras irreverentes, que ele classifica como cronismo social, foi escalado para o Rec Beat, festival que apoia bandas independentes, principalmente de rock. Criticado em sites e blogs, foi até ameaçado de levar lata na cabeça caso subisse ao palco. “Tremi na base. Tava tão preocupado e triste que liguei para meus amigos e família e disse que o show tinha sido cancelado. Não queria que eles vissem o vexame”, confessa. Mas quem estava em meio às 30 mil pessoas que lotavam a área reservada para a primeira atração da noite, e com chuva na cabeça, viu foi o cantor desabar aos prantos ao som de “Uh, fodeu, João do Morro apareceu!”. E não teve quem proibisse o bis.
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