O extermínio de jovens negros é a maior vergonha nacional
O extermínio de jovens negros é a maior vergonha nacional. Nos acostumamos aos Douglas, Amarildos e Claudias, e a maioria parece achar menos chocantes essas mortes do que a de um branco, rico
Durante a gravação do programa Esquenta! especial sobre a morte do dançarino DG, Fernando Luna, diretor editorial da Trip, explicando as motivações que resultaram na publicação das importantes matérias de capa das revistas Trip e Tpm sobre racismo, disse que não era preciso esperar uma tragédia específica para gerar essa discussão fundamental, pois no Brasil sempre acontecem episódios lamentáveis e o assunto é tão presente que a qualquer momento encontra tristes fatos concretos recentes relacionados. Foi o que aconteceu com as revistas que estampavam “Ser negro no Brasil é foda” e “Ser negra no Brasil é (muito) foda” em suas capas. Motivadas pelos casos de racismo no futebol e pela prisão injusta de um ator negro, viraram referência nacional uma semana depois com a repercussão da morte de DG.
Mas tão frequente quanto os casos de assassinato e impunidade é o esquecimento. Parece que a realidade é tão dura que a sociedade afrouxa e esquece para não ter que pensar no assunto. Na verdade, todos nós nos resignamos. Mas não dá para ser assim, pois o lamento pela perda de vidas deveria servir para colocarmos as mãos em nossas consciências e assumirmos uma verdade que precisa ser encarada: o extermínio de jovens negros é a maior vergonha nacional.
É a maior vergonha, pois há cerca de 20 anos convivemos com esses números que parecem nos anestesiar mais do que revoltar. É a maior vergonha pois as dificuldades políticas de medidas eficazes para revertermos esse quadro empurram, eleição após eleição, a sujeira para debaixo do tapete. É a maior vergonha porque nos acostumamos aos Douglas, Amarildos, Claudias, e a maioria parece achar menos chocantes essas mortes do que a de alguém que seja branco e more em bairro nobre de qualquer cidade brasileira. É a maior vergonha pois revela o que vem sendo chamado de epidemia da indiferença, que torna tudo isso invisível, a não ser em momentos dramáticos.
Sem resignação
Estamos matando tesouros de nosso país: a juventude e a criatividade. As trágicas mortes não apenas interrompem trajetórias, mas se tornam símbolos do desperdício de forças transformadoras. Precisamos ir além e agir com rigor e empenho para reverter esse quadro desolador. Talvez tudo tenha que começar por um amplo debate, que reúna todos os atores sociais envolvidos e estabeleça metas para que esse extermínio seja interrompido. As mudanças necessárias no nosso sistema de segurança pública devem romper com a lógica polarizada que contaminou os debates políticos no Brasil, para buscar consensos entre os homens e as mulheres de bem que acreditam que a vida é sagrada e não pode ser perdida de maneira tão banal.
Que as autoridades esclareçam essas mortes e nos mostrem a verdade, seja ela qual for. Que nosso luto se transforme em luta para fazermos o que tem que ser feito. E que não nos esqueçamos dessas tragédias jamais, pois a resignação que nos cega também nos mata um pouco a cada dia.
*Alê Youssef, 38, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com