A Rapaziada da Zona Oeste tá de volta

por Bianka Vieira

Após um intervalo de 14 anos, novo CD do RZO tem lançamento digital e deve surpreender fãs com novas referências, mas sem perder o próprio estilo

Já tem um tempo desde os primeiros ruídos sobre a volta do RZO: o show da Virada Cultural, em 2014, e o lançamento de singles como Paz em meio ao caos deram uma palhinha do que estava por vir. Mas só agora, precisamente em 2 de junho, que o aguardado disco chega às plataformas digitais. O retorno é definitivo.

Quem tá no jogo traz 15 faixas para acalmar - melhor, excitar - os fãs que pediam insistentemente pela volta da Rapaziada da Zona Oeste. O público deve ficar surpreso em alguns momentos. “O disco tem músicas que fazem parte da fase do RZO dos anos 90, com a pegada do sample, e tem essa transição dos últimos anos, vinda com o trap”, conta DJ Cia.

O hiato foi de quase 14 anos até Cia reencontrar seus parceiros Helião, Sandrão e Calado nesta produção, independente, que conta ainda com Negra Li, parte da "Família RZO" desde Todos são manos (1999). A cantora faz uma participação especial no single Destinos e também em alguns shows da turnê. “O CD estava previsto pra setembro, mas acabou demorando um pouco mais. A gente foi melhorando até ficar satisfeito, porque se você não fica feliz com o que está fazendo, imagina os outros!”, explica DJ Cia.

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Com um fundo teatral — "porque a música é uma arte e o rap é um teatro, você tem que criar um ambiente da realidade que está sendo falada" —, Quem tá no jogo mantém as velhas - e infelizmente sempre atuais - temáticas sociais. Estão lá a violência policial e a precarização da educação, rimadas em várias parcerias, como Criolo e Rael, por exemplo, dois gigantes da cena atual, e até a bateria da Gaviões da Fiel.

Na conversa abaixo, DJ Cia fala mais sobre o retorno do grupo, o cenário do rap brasileiro e outras fitas mais. Confira:

Como foi gravar um disco do RZO tanto tempo depois? O rap hoje tá mais exigente. As pessoas estão consumindo mais, e os timbres, os estilos e a sonoridade mudaram. A gente tinha que fazer uma coisa que tivesse essa mistura dos anos 90 e que fosse atual, porque estamos voltando com o grupo depois de todos esses anos, mas nunca ficamos parados. 

Isso quer dizer que o som do RZO mudou? A gente mudou algumas coisas de colocação de flow e adicionou o trap, que é uma outra parada, tem um pouco de house e referências da música eletrônica. A gente buscou incluir essa coisa nova ao rap que já era do RZO. As letras, a forma de se expressar continua a mesma. Só nos adaptamos a essa transição do rap pras pessoas perceberem que a gente tá ligado.

Mas os fãs de rap mais antigos torcem o nariz para o trap e costumam não aceitar muito bem essas mudanças. A gente entende isso, mas também não podemos fazer uma coisa só das paradas antigas e ficar parado no tempo. Já estamos em 2017! A gente tem que fazer uma parada que acompanhe essa evolução, sem abandonar o estilo do RZO.

Qual a diferença entre fazer rap nos anos 90 e fazer hoje em dia? Existe uma diferença gigante. Naquela época, não tinha a estrutura que tem hoje. Às vezes eu vejo os moleques reclamando da vida e falo: "mano, para de chorar”. A molecada tem computador em casa, baixa os programas da internet e faz. A distância também atrapalhava, porque o rap era feito na periferia e não chegava no centro. A gente dependia de rádio. Hoje, você coloca na internet e tá ali. Antes, a gente tinha que ir nas festas, pedir pra tocar, apresentar pras pessoas.

Tem gente que se incomoda com a popularização do rap de periferia entre pessoas de outras classes. Como vocês veem isso? O rap nunca saiu da periferia. O que aconteceu é que o centro, a classe média e alta, foram ao encontro do rap. Ele não saiu, só ganhou mais espaços conquistados pelo crescimento do rap no Brasil. Eu me considero periférico ainda, o Mano Brown se considera periférico tocando num Citybank Hall lotado. O rap tá fazendo barulho, isso aí vai abrindo portas. O RZO acredita que quanto mais gente estiver fazendo rap, melhor é pro movimento.

O preconceito com o rap diminuiu, então? Porque você está falando dessa demanda maior, da expansão para o centro. Ainda existe o preconceito, só que ele é mais maquiado. O rap tá aí porque é forte, é uma parada que bate de frente e chega chegando, porque a gente não estaria aí se dependesse de outras coisas. Na nossa época, a gente subia no palco e tinha que brigar com a polícia que ficava em volta, pronta pra levar um monte de gente pra delegacia depois. Mas o preconceito ainda não acabou, e é fácil exemplificar isso: você não vê um programa de rádio tocar rap nacional na programação em um horário longo, eles tocam um ou outro. Já tive várias reuniões com caras de rádio e eles falam "pô, isso aqui não dá, isso aqui não rola", enquanto no YouTube os grupos que eu apresentava tinham 15 milhões de acessos. Você entende o que eu tô falando? É muito esquisito isso. Se não tivesse YouTube e internet fortalecendo, nóis tava fodido.

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Vi que vocês são a favor das eleições diretas. O que o RZO tem pensado disso tudo que está acontecendo e por que vocês acham importante se posicionar? Pra você ver, tem gente que falava que o rap era muito agressivo, mas ele sempre falou dessas coisas. Se você pegar o trem ali de Pirituba às seis, sete da manhã, nossa senhora! É triste. Tem senhorinhas apertadas, pessoas esmagadas, não mudou nada. A população aumentou e a condução não melhorou (diz em referência ao single O trem, um dos grandes sucessos do RZO). Se você for analisar as letras de antigamente, isso já era falado. E hoje que o rap tá grande, a gente tem que ter essa consciência de que, mesmo falando de amor e outras coisas, é preciso parar um momento pra passar informação pro cara que não tem tempo pra isso, porque sai pra trabalhar às cinco da manhã e só volta à noite.

Vocês saem em turnê pelo Brasil no dia 24 de junho. Como estão as expectativas para a volta aos palcos? O RZO no palco é uma parada legal, a gente é feliz nele. Agora, com esse disco, a gente vai montar o show com as músicas novas e algumas das antigas. Quanto ao show em si, a gente fica tranquilo. É igual jogar bola: só ter um campo e uma bola legal ali e vamo que vamo.

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