Goldman lembra dos punks brasileiros ao tirar sua cidadania britânica
Depois de 17 anos morando na área, recebi na semana passada uma carta do famigerado Home Office, espécie de Ministério do Interior britânico, órgão que, entre outras coisas, se encarrega de caçar e expulsar os estrangeiros que aqui vivem ilegalmente. Outro dia levaram embora o Xuliquim e outros quatro açougueiros da Casa de Carnes Brasil. Ultimamente estão dando batidas em bares e restaurantes onde se concentram brasileiros. O Home Office é a Gestapo dos motoboys goianos, KGB das faxineiras de Uberlândia. Não gosto dessa gente.
A carta era um convite cheio de pompa e circunstância – uma “Citizenship Invitation” – informando que meu pedido para obter a cidadania britânica fora aceito. Mas o convite é condicional: para ratificar meu novo status, terei que participar de uma cerimônia na qual se jura lealdade eterna aos valores britânicos, uma promessa formal a Sua Majestade, a rainha Elizabeth.
Não deveria ficar tão confuso com essa condição, pois no Brasil também se faz um juramento surreal à bandeira nacional, e toda nação é ridícula por definição. Mas, por via das dúvidas, resolvi ligar para o órgão responsável pela cerimônia e perguntar: “Vou ter que jurar por quem? Por Deus? Qual Deus, se eu nem tenho certeza se acredito mesmo?”. Um senhor com aquela universal voz entediada de funcionário público esclareceu que o juramento em si era compulsório, mas o envolvimento de Deus era facultativo. Será que isso é que é democracia?
PETULÂNCIA SEBORREICA
Não tenho ideia de quais sejam os valores britânicos aos quais devo jurar lealdade e é difícil ser fiel sem amar. Mas, para nunca mais pagar o sapo de ficar na fila da imigração e enfrentar a petulância seborreica dos agentes europeus, eu faço qualquer negócio. Vou jurar mentindo, fazendo figuinha. Eu sou muito mais eu.
Essa história me fez lembrar de um encontro que tive em 1978, quando surgiu um dos primeiros grupos de punks brasileiros. Era uma rapeize pobre e da pesada, de São Caetano. Eles rasgavam as camisetas imitando os Sex Pistols e vinham azucrinar no vão do Masp nos sábados à noite. Me interessei por eles e propus entrevistá-los para o jornalzinho da escola. Minha primeira pergunta: por que vocês são punks? A resposta inesquecível: porque odiamos a rainha da Inglaterra. God Bless the Brazilian Punks!
Depois de 17 anos morando na área, recebi na semana passada uma carta do famigerado Home Office, espécie de Ministério do Interior britânico, órgão que, entre outras coisas, se encarrega de caçar e expulsar os estrangeiros que aqui vivem ilegalmente. Outro dia levaram embora o Xuliquim e outros quatro açougueiros da Casa de Carnes Brasil. Ultimamente estão dando batidas em bares e restaurantes onde se concentram brasileiros. O Home Office é a Gestapo dos motoboys goianos, KGB das faxineiras de Uberlândia. Não gosto dessa gente.
A carta era um convite cheio de pompa e circunstância – uma “Citizenship Invitation” – informando que meu pedido para obter a cidadania britânica fora aceito. Mas o convite é condicional: para ratificar meu novo status, terei que participar de uma cerimônia na qual se jura lealdade eterna aos valores britânicos, uma promessa formal a Sua Majestade, a rainha Elizabeth.
Não deveria ficar tão confuso com essa condição, pois no Brasil também se faz um juramento surreal à bandeira nacional, e toda nação é ridícula por definição. Mas, por via das dúvidas, resolvi ligar para o órgão responsável pela cerimônia e perguntar: “Vou ter que jurar por quem? Por Deus? Qual Deus, se eu nem tenho certeza se acredito mesmo?”. Um senhor com aquela universal voz entediada de funcionário público esclareceu que o juramento em si era compulsório, mas o envolvimento de Deus era facultativo. Será que isso é que é democracia?
PETULÂNCIA SEBORREICA
Não tenho ideia de quais sejam os valores britânicos aos quais devo jurar lealdade e é difícil ser fiel sem amar. Mas, para nunca mais pagar o sapo de ficar na fila da imigração e enfrentar a petulância seborreica dos agentes europeus, eu faço qualquer negócio. Vou jurar mentindo, fazendo figuinha. Eu sou muito mais eu.
Essa história me fez lembrar de um encontro que tive em 1978, quando surgiu um dos primeiros grupos de punks brasileiros. Era uma rapeize pobre e da pesada, de São Caetano. Eles rasgavam as camisetas imitando os Sex Pistols e vinham azucrinar no vão do Masp nos sábados à noite. Me interessei por eles e propus entrevistá-los para o jornalzinho da escola. Minha primeira pergunta: por que vocês são punks? A resposta inesquecível: porque odiamos a rainha da Inglaterra. God Bless the Brazilian Punks!
*HENRIQUE GOLDMAN, 47, cineasta paulistano radicado em Londres, acaba de dirigir o filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br