Declaração de Independência

Interdependência é uma sábia e não maniqueísta mistura de dependências e independências

Caro Paulo,

A primeira vez que ouvi falar de interdependência achei que era um jeito metido de falar de dependência. Eu era jovem e a única variação que eu conhecia de dependência era o seu oposto, a independência.

Minha cabeça era bem maniqueísta e eu tinha certeza de que os opostos só podiam se excluir: ou uma coisa ou outra, to be or not to be, ou preto ou branco. Era uma visão muito simplista, que reduzia toda a beleza da complexidade do “e” num pobre “ou ou”. Com esse jeito de olhar a vida eu perdia o melhor que ela me oferecia.

Foi uma equivocada educação católica ocidental que recebi de alguns jesuítas e que escondeu de mim as cores, as nuances, as mil e uma possibilidades que só fui descobrir com a cultura oriental, em particular com o taoísmo. Aprendi que as coisas podiam be e not to be ao mesmo tempo, no mesmo lugar.

Aprendi também que o que existia eram os opostos complementares. O yin e o yang, o quente e o frio, o doce e o amargo, o duro e o mole, o masculino e o feminino – que, interagindo em torno do “e”, criavam a harmonia e o conflito, o caos e a ordem, o padrão e a surpresa, o terceiro nascido de dois que, sem ser nem um nem outro, continha os dois. Descobri que o oposto não era inimigo, que a diversidade era a energia que mantinha viva a relação, que a paz era possível e que a guerra era fruto do “ou”.

Eu já devia ter uns 20 e poucos anos de idade e me lembro que me senti como uma criança que só tinha um balanço num silencioso e pacato parquinho de bairro e, de repente, se percebeu num grande parque de diversões cheio de luzes, cores e sons.

Foi uma excitação incontrolável. Eu ria sozinho. Senti um tesão pela vida como nunca imaginei existir. Acho que essa descoberta é o que me mantém até hoje excitado e curioso com as generosas possibilidades que os opostos complementares podem nos proporcionar.

Só depois de entender a vida dessa maneira é que fui entender a interdependência e me libertar da ignorância maniqueísta do “ou dependência ou independência”. Porque interdependência é isto: uma sábia mistura de dependências e independências entre tudo e entre todos que vivemos neste mesmo planeta, nesta mesma humanidade.

Para mim a interdependência é a certeza de que somos uma rede viva de relações que nos sustenta e nos alimenta. É a promessa de acolhimento tanto das minhas vitórias e alegrias como das minhas dificuldades e sofrimentos.

Antes que seja tarde
Se todos agíssemos reconhecendo a interdependência como realidade não teríamos os desequilíbrios sociais e ambientais que nos fazem temer a vida. Seríamos mais científicos e menos iludidos e ignorantes. Cuidaríamos dos outros como cuidamos de nós mesmos, porque, de verdade, todos nós somos um. Hoje eu sei que interdependência é fato, não é crença nem opinião.

Se entendermos que os opostos são complementares, não teremos os desequilíbrios sociais e ambientais que nos fazem temer a vida e cuidaremos dos outros como de nós mesmos porque, de verdade, todos somos um

Mas sei também que para ver essa realidade é necessário gostar dela e achar que um mundo interdependente e integrado é melhor que um mundo de fragmentos lutando cada um por sua independência.


Importante a gente gostar e aprender a usufruir da interdependência antes que ela se imponha com a força das crises de gestão e das catástrofes ambientais, muito maiores do que estas que já estamos experimentando.


Nesse caso, não temos alternativas, nem “ou ou” nem “e”. E isso é ótimo.

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 60, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br

 

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