Da água pro Dreher

por Millos Kaiser
Trip #187

Nenê Altro, líder do Dance of Days, conta para Trip como foi de careta a doidão em um dia

Punk para uns, emo para outros, Nenê Altro é a figura mais controversa do nosso underground. Aqui ele conta como foi de careta a doidão em apenas um dia

Líder da banda Dance of Days e de outras no passado, Nenê Altro faz parte da cena hardcore brasileira há pelo menos 20 anos. Alcançou status de celebridade no meio por causa de sua música de letras sofridas e cheias de referências históricas, mas também – e mais ainda– por sua vida pessoal. Nenê sabe vender-se como poucos, escancarando sua intimidade na internet, com registros de bebedeira, pegação a três, depressão e farra, muita farra. Está tudo em seu blog, fotolog e Twitter, todos superacessados por seus fãs.

Mas, antes de a maioria deles nascer, o paulistano Nenê, 37 anos, era outra pessoa. Lá pelo início da década de 90, foi um dos pioneiros do movimento straight edge no Brasil - para quem não sabe, uma filosofia de vida que mataria Sid Vicious de desgosto: no lugar da máxima “live fast die young”, nada de drogas, álcool ou carne e, nos casos mais radicais, nada de sexo promíscuo também.

Desses tempos, porém, ele só guarda as memórias sóbrias e uma tatuagem enorme nas costas. Depois de 14 anos no movimento, Nenê resolveu chutar o pau da barraca. E para bem longe: “Era 2004 e eu estava na segunda turnê europeia da minha banda, a Sick Terror. Lá conheci todas as bandas straight edge que sempre admirei, e a ficha caiu. Era a mesma merda do Brasil, mesmas intrigas. Desilusão total. No mesmo dia, em Amsterdã, deixei de ser straight edge e vegetariano. Fui para o McDonald´s e tomei ecstasy”. A adolescência chegava tardiamente para Nenê, que queria entender os diferentes baratos de cada droga. Nos 20 dias seguintes, experimentou, sem moderação, maconha, ácido, cocaína, álcool e anfetaminas. “Queria recuperar o tempo perdido, mas não sabia a medida das coisas. Um dia em Praga fiquei tão louco que acordei no outro lado da cidade. Demoraram dois dias para me achar. Depois, tocando louco de MDMA, pulei de uma caixa de som de 6 m e trinquei o pé. Tivemos que cancelar os últimos shows da turnê.”

Bad Trip
Ninguém entendia como o “mais radical e chato dos straight edgers”, havia pirado dessa forma. Nos shows com o Dance of Days, tinha que fugir dos socos de antigos companheiros inconformados. Nenê frequentava o Atari Club de terça a domingo, de onde saiu preso inúmeras vezes. Seu cachê era de R$ 700 por show, grana que torrava antes de o sol nascer. Em uma noite, chegava a mandar 2 l de conhaque e até 8 g de cocaína, um coquetel explosivo que o fez viver histórias das mais insólitas, que envolvem um ménage à trois em um táxi e uma fuga do hospital para onde o levaram apagado, depois de misturar efedrina, Valium e vodka. Ele não lembra de nada. Karina, sua nona e atual esposa, é quem conta a aventura. “Se você sabe beber e se drogar, dá para viver coisas divertidas”, ele acredita.

A bad trip chegou quando ele começou a desconfiar que era alcoólatra: “Meu maior problema foi o Dreher. Tomava no café da manhã, acordava de noite tremendo com vontade de dar um gole. Teve época que eu negava um tiro, mas não negava uma dose. Era mais forte que eu”. A mãe, católica fervorosa, sofreu o diabo com a dependência do filho, que afastou-se dela e do pai desde que conheceu o punk. Mas apesar de não manterem muito contato, “apenas no limite saudável”, Nenê diz que ela sempre esteve presente na sua vida. Já suas filhas – ele tem duas, uma de 13 e uma de 17 – não chegaram a ser afetadas pelo drama, pois moram com as respectivas mães. Hoje, ele jura que reduziu a marcha, apesar de eventuais derrapadas: “Consigo beber um Dreher e ficar no primeiro copo. Já a cocaína, o que me deixa mais mal é que ela não me dá mais brisa. Não sei porque cheiro. Não me dá aquela sensação de ser invencível mais. Não sou médico, mas acho que meu corpo se condicionou. Tenho que cheirar muito para sentir algo”.

O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, professor da Escola de Medicina da Unifesp, diz que a história de Nenê tem capítulos típicos de quem sofre de alcoolismo. Acordar trêmulo no meio da noite atrás de um trago de Dreher mostra que o problema de Nenê chegou a um nível biológico, ou seja: a vontade não vem da cabeça, mas do corpo, já habituado à bebida.

Dartiu alerta, no entanto, que é precipitado classificar Nenê como um dependente químico apenas pelos casos relatados. Sobre o envolvimento do cantor com a cocaína, o psiquiatra caracteriza o fator curiosidade como determinante. Se de fato Nenê é viciado na substância ou não, só longos encontros entre os dois poderia responder. E, ainda assim, nenhum diagnóstico sobre o assunto seria definitivo, há sempre uma subjetividade envolvida. “Tem gente que usa drogas a vida inteira, mas não é completamente viciado. Na verdade, esses são a maioria dos que me procuram”, diz.

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