por Carlos Nader
Trip #124

Carta-aberta ao presidente George Bush

Excelentíssimo Senhor Presidente dos Estados Unidos da América,

Era inevitável que eu lhe escrevesse. Afinal, o senhor é quem é. Tenho que lhe dizer, entretanto, que a escolha do destinatário destas minhas cartas mensais é um processo para lá de aleatório, que tem sempre algum grau de mistério, inclusive para mim mesmo. Nesta edição, por exemplo, eu estava na dúvida se escrevia para o senhor ou para a Vera Loyola. Entre comentar a situação global ou refletir sobre minitapetes persas para minipoodles, porém, achei que a primeira opção tinha maior relevância no momento.

Mais misteriosa que a escolha dos meus correspondentes é vossa política externa. Além de apavorado, ela me deixa confuso. No instante em que lhe escrevo, as imagens e palavras que circulam pela midiasfera não lhe parecem exatamente favoráveis. Do fundo do poço de lama da tortura prisional até as alturas em que levita o preço do petróleo, tudo parece conspirar para que a propalada guerra de civilizações se torne uma realidade. Eu diria que a coisa está feia para o vosso lado, senhor Presidente. Diria, mas antes de dizê-lo me vêm à cabeça algumas perguntas mais óbvias e metidas a besta que o Michael Moore.

Quem disse que imagens pegando fogo, preços jorrando alto e a própria sombra suicida de uma guerra de civilizações são coisas assim tão conflitantes com os interesses do senhor? Afinal, não era o senhor antes do 11 de setembro um político inseguro, eleito sem a maioria dos votos de seu povo e membro de um grupo que tem interesses diretos na indústria do petróleo? E não é o senhor agora, na visão de uma parte ainda enorme da população de seu país, o paladino quase bíblico que vai esmagar a revolta de uma turba fétida que usa toalhas na cabeça?

Só som e fúria?

Eu não ousaria dizer, senhor Presidente, que essa situação tenha sido meticulosamente armada. Não sou chegado a teorias de conspiração. Só que também acho muito estranho que as teorias de conspiração sejam tratadas todas como tabu. Não me convence a postura que as descarta de bate-pronto, rapidamente, como se fossem todas a alucinação risível de algum paranóico de rua. Como toda ridicularização, essa é uma atitude suspeita. Para mim, tão improvável quanto a maioria dessas teorias é a idéia de que vossa política externa é como a vida vista pelo vosso, nosso poeta: ?uma estória cheia de som e fúria, contada por um louco, significando nada?. Não tenho medo de achar que há sim uma agenda secreta, nem tão secreta assim, pautada pela política de um ?quanto pior, melhor?, levada a fogo relativamente brando e disseminada pela mídia através de estímulos paradoxais. Tão paradoxais quanto bombas jogadas com palavras de libertação.

Algum realista de plantão há de lembrar que vossa popularidade está em baixa e a reeleição ameaçada pelas notícias do front. Infelizmente, face aos pavores patrocinados pelo seu governo, tendo a achar que uma queda de aprovação popular para 46% é irrisória. Sobretudo se lembrarmos que o presidente anterior quase foi impichado em função de um reles salto sobre a cerca marital, um inofensivo saltinho perdoado publicamente pela própria esposa e cuja realização nem sabemos se foi feita com ou sem vara. Além disso, senhor Presidente, conve-nhamos que o declive de vosso ibope não é nada que não possa ser rapidamente revertido pela inserção em timing eleitoral preciso de alguns campeões de audiência na programação global. Global mesmo.

Assim, no aguardo de momentos de uma tela realmente quente, como a execução de Saddam Hussein ou a descoberta de algum barril enferrujado, sou levado novamente ao pensamento do poeta padroeiro da vossa língua. Pode parecer loucura, mas há um método. Não vou lhe dizer que tenho certeza, senhor Presidente. Em muitas vezes, acho que parece haver um método, mas é só estupidez. Em todo caso, se houver o método, espero sinceramente que ele dê errado. Espero que a igualmente enorme parcela da população de seu país que tem tradições humanistas e libertárias profundas entenda antes de mim o tal método e enterre-o para sempre nas próximas eleições.

De uma coisa não tenho dúvida nenhuma. As palavras e imagens geradas pela vossa cruzada têm me intoxicado. Me enchi, senhor Presidente. O mundo está precisando urgentemente de um Protocolo de Kyoto Mental que nos livre do tipo de poluição espiritual que o senhor e os fundamentalistas representam.

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