O neurocientista e farmacologista Fabrício Pamplona analisa os avanços científicos na corrida para controle da pandemia de Covid-19
"Speed it up, speed it up!" Foi com estas palavras que o presidente dos EUA Donald Trump pediu ajuda quase desesperadamente aos cientistas americanos, para que trabalhassem em busca de um tratamento, vacina, ou qualquer recurso que ajudasse a deter a pandemia global do coronavírus Covid-19. A resposta da comunidade científica tem sido realmente incrível, é nesses momentos de crise que as pessoas costumam arregaçar as mangas e colaborar intensamente. Um "empurrãozinho" certamente incômodo e doloroso, mas que gera progresso.
Muitos já ouviram a máxima de que os países que conseguem sobreviver a grandes crises ou guerras acabam se tornando mais desenvolvidos e seus cidadãos, mais unidos e patriotas. E também já ouvimos bastante que o Brasil "é do jeito que é" porque nunca passou por algo assim. Atualizando os registros da história: não tinha passado até agora. A guerra está sobre nós nesse exato momento, e o inimigo, um vírus, só é visível sob a luz do microscópio eletrônico.
O tema é de amplo interesse científico e de grande impacto social. E é também o momento perfeito para que o governo subitamente se lembre da importância de ter um time de jaleco branco com ferramentas poderosas para lutar contra esse inimigo. Só que esse time tão fundamental e crítico em um momento como esse só estará apto para reagir de prontidão se estiver "treinando" todos os dias, com o time entrosado, as metodologias em dia e os cérebros afiados. A analogia com o futebol é intencional, pois enquanto milhões de dólares são pagos anualmente aos jogadores, os cientistas vivem à míngua. Essa realidade não é exclusiva do nosso país, mas o contraste é muito marcante no Brasil: temos pessoas de destaque internacional em ambos os campos, e um abismo de valorização entre elas.
Sempre podemos contar com a ciência
Sou membro do conselho deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq – braço operacional da política de ciências, tecnologia e inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – e infelizmente a situação apresentada para 2020 é ainda pior do que a que vimos em anos anteriores. Os cientistas brasileiros, já tradicionalmente desprezados quando o assunto é orçamento, estão se deparando com um ano amargo. Às vezes, parece que nada é tão ruim que não possa piorar. Mas, aqui no Brasil, os cientistas serão capazes dar uma resposta rápida e eficaz mesmo em condições muito ruins de trabalho e com recursos escassos? O pior (ou o melhor) é que sim. Esses profissionais de jaleco branco estão colocando o cérebro para funcionar e foi desse front que chegaram as notícias mais animadoras da última semana.
Um medicamento tradicionalmente usado para malária, a hidroxicloroquina, foi testado com sucesso em pacientes na França – em apenas 6 dias, o tratamento conseguiu reduzir o número de infectados com coronavírus em 75%. Combinado com o antibiótico azitromicina, a redução é ainda maior e beira os 100%. Pesquisadores chineses demonstraram que a hidroxicloroquina auxilia as células na função de "expulsar" o vírus, sugerindo um mecanismo de ação. Não se sabe o impacto disso na mortalidade a longo prazo, mas estão todos esperançosos, pois faz muito sentido que funcione. Impulsionado por essas descobertas, Trump, aquele mesmo presidente que "não acredita" na ciência quando se fala em aquecimento global, solicitou que a FDA (agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA) autorizasse a nova indicação clínica para a hidroxicloroquina, no que foi prontamente atendido pela agência regulatória. Estamos, provavelmente, diante de um novo recorde no tempo de aprovação de um medicamento na história da humanidade.
Enquanto isso no Brasil
Por aqui, temos notícias contando que hospitais de ponta já estão implementando o tratamento e vão gerar novos estudos para tentar uma definição nacional sobre o tema. E não só isso: enquanto o povo faz a sua parte ficando em casa, as universidades estão com iniciativas para auxiliar no combate à pandemia. Tenho notícias de programas voluntários para identificação de casos de coronavírus rolando na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Universidade de São Paulo, Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Universidade Federal de Minas Gerais. Tenho certeza de que, até esse texto ser publicado, muitas outras terão se juntado a esse grupo.
Junto com o Ministro da Saúde, o presidente brasileiro pediu ajuda à sociedade civil em uma videoconferência e recebeu doações generosas de empresários para a aquisição de equipamentos, medicamentos e infraestrutura hospitalar. Ao mesmo tempo, a Anvisa rapidamente aprovou oito novos testes diagnósticos rápidos para detecção de coronavírus Covid-19. É uma evidente priorização das soluções que dão uma resposta ao tema. A capacidade de mobilização é notória, precisamos canalizar a mesma energia para trazer celeridade também em "tempos de paz".
No futuro próximo, mais notícias positivas sobre tratamentos podem vir de duas pesquisas independentes sobre anticorpos específicos contra o Covid-19, e há várias outras iniciativas independentes visando a produção de vacinas; até onde eu sei, com resultados promissores surgindo nos EUA, Holanda, Alemanha, Israel e Cingapura. Fico até arrepiado pensando na proporção do que estamos presenciando, chega a ser bonito de se ver.
Então, meus caros, queria terminar esse texto com algumas palavras animadoras, porque tem coisa boa vindo por aí. O desafio é imenso, mas aqui no Brasil teremos a sorte grande de contar com recursos de tratamento que os outros países não tiveram (porque ainda eram desconhecidos). Por conta da "aceleração" dos mais diversos cientistas e profissionais de saúde e a colaboração em âmbito global para combater a pandemia, acho que podemos respirar um pouco mais aliviados. A epidemia acaba de chegar com força ao Brasil, mas, felizmente, mesmo com grandes dificuldades e situações difíceis de enfrentar, dá para acreditar, sim, que o fim já está próximo.
Créditos
Imagem principal: Domínio público