por Juliana Gonçalves

Consultorias coordenadas por mulheres negras trabalham por igualdade racial nas empresas e mostram que, além de justa, a equidade traz lucro

“É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra”, dizia uma conhecida marca para promover sua cerveja escura. Ilustrando a peça publicitária havia uma mulher negra com curvas à mostra. “Sou o macaco mais legal da floresta’’ era a  mensagem no moletom de um menino negro no anúncio de uma grande marca da moda. Um funcionário de uma rede de alimentos também utilizou a palavra “macaco” no lugar do nome de um cliente na nota fiscal. O cliente era um jovem negro.

Na hora de ofertar um produto ou serviço, algumas empresas deixam transparecer os preconceitos naturalizados em suas marcas e total despreparo para combatê-los. A publicidade ou o funcionário que realiza o primeiro contato entre o consumidor e a empresa são as facetas públicas dessa relação que denuncia questões estruturais — vão desde a falta de pessoas negras em cargos executivos até o total silenciamento sobre as desigualdades raciais e de gênero, permitindo assim a constância de casos como os lembrados acima e a reincidência dos discursos de ódio propagados hoje tão abundantemente pela internet.

A inclusão de pessoas negras nas empresas já não é apenas uma questão de justiça social ou de se vender como diverso. A diversidade como sinônimo de lucro tem sido pautada por diversas consultorias que buscam fazer a transição de empresas que não pautavam a equidade de raça e gênero e agora enxergam essa diversidade como um valor.  

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Monique Evelle, a jovem fundadora e CEO da Evelle Consultoria, conta que diversidade sempre existiu no meio corporativo, porém na base da pirâmide e não em cargos mais altos. “Na verdade, fazemos a ponte entre bons profissionais, considerando diversos critérios de diversidade como raça, gênero, classe, região de origem para mostrar para empresas que esses profissionais existem”, conta.

O “coaching de brancos” não é uma piada, ele denuncia a lacuna existente justamente porque não fomos educados para as relações raciais históricas que se estabelecem no Brasil. Mais do que agenciar pessoas negras, essas consultorias realizam trabalhos que vão desde a sensibilização para a temática racial até o desenvolvimento de planos e estratégias para mudar a cultura racista e machista de algumas empresas.

Ao falar sobre a equidade de raça e gênero,  mulheres negras estão por trás desde os pequenos aos grandes avanços no mundo corporativo já que são as figuras à frente dessas consultorias que pretendem enegrecer as empresas de ponta a ponta.

 

Além da Evelle Consultoria, há o IDBR , coordenado por Luana Genot, a Empregueafro com Patrícia Santos, o Afrotrampos, criado por Ciça Pereira, o CEERT, coordenado pela Cida Bento, e a Feira Preta, presidida pela Adriana Barbosa, entre outras iniciativas que promovem essas pontes entre o mercado e as pessoas negras. Nada de competição, os trabalhos se complementam. “O cenário tem nos mostrado que  geralmente são homens falando da importância de ter mulheres, são brancos falando sobre os negros, são heterossexuais falando sobre os homossexuais. Para se ter uma solução diversa, uma equipe diversa é necessária”, aponta Evelle, que lançou sua empresa há pouco mais de um ano.

Uma caminhada longa

Da mais nova, a mais velha: o trabalho realizado pelo CEERT, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, pode ser enquadrado como o pioneiro quando o assunto é diversidade nas empresas.

A entidade realiza desde 1990 pesquisas e programas de intervenção buscando a promoção da equidade de raça e gênero no mercado de trabalho. Mas o abismo racial no ambiente corporativo brasileiro continua profundo. Segundo dados de pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2016, pessoas negras só ocupam 6,3% dos cargos de gerente e 4,7% do quadro de executivos nas empresas analisadas pelo estudo.

A situação é ainda mais desigual para as mulheres negras: 1,6% são gerentes e só 0,4% participam do quadro de executivos. São duas mulheres negras entre 548 diretores. Para mudar esse cenário, o CEERT ao lado do Instituto Ethos e o Institute for Human Rights and Business (IHRB), com o apoio do Movimento Mulher 360 e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), deu origem a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero a fim de impulsionar a promoção da diversidade e da igualdade racial e de gênero no mercado de trabalho.

“Até agora já são cerca de 40 grandes empresas que aderiram ao pacto de equidade e estão realizando formações e trocas de experiências entre elas”, conta a coordenadora executiva do CEERT, Cida Bento, que sabe bem o tamanho do esforço para tratar questões de raça e gênero de forma conjunta. “Tenho feito um censo de diversidade em bancos e o grande desafio que se encontra é ampliar a presença das mulheres negras no setor, assim como em outras empresas. As mulheres brancas estão quatro, cinco vezes a mais do que as negras nesse processo de inserção dentro das empresas”, afirma.

Cida acredita que a realização do censo dentro das empresas é fundamental para identificar as diferenças de cargos, de salários, de inserção, promoções. O primeiro censo do CEERT foi realizado em 1995.  “O censo ajuda a desenhar um plano de ação, que envolve levar essa discussão para os interior das empresas e para as altas lideranças, para as áreas jurídicas e outras. É preciso uma decisão política da empresa. E isso é algo bem delicado e importante”, conta.

Uma abordagem para as corporações

Foi se aventurando no campo do empreendedorismo que Adriana Barbosa, presidente da Feira Preta, entendeu que a diversidade precisa ser pensada de forma transversal no ambiente corporativo. “Desde 2016 a Feira elaborou uma metodologia que pensa a diversidade pautada em quatro pilares: RH,  Comunicação e Marketing, Cadeia de Valor - com inclusão de micro empreendedores negros como fornecedores das grandes empresas - e Investimento Social Privado”. conta.

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O primeiro protótipo foi realizado no Facebook em agosto de 2017 em parceria com a Cia. de Talentos. A proposta foi levar 40 jovens negros em nível universitário para participar de uma conversa. Lá, os jovens negros puderam contar o que sentem na pele durante um processo de busca por uma vaga, processo de seleção e até efetivação.

“Embora nossa proposta não esteja pautada em recrutamento e seleção, buscamos provocar a mudança de cultura nas empresas em relação aos processos de inclusão ou a implementação de ações afirmativas com o foco em diversidade racial”, explica Barbosa, pioneira nas discussões do afroempreendedorismo. Neste ano, a Feira Preta completa 17 anos de existência.

Rede social para transformações sociais

Foi a dificuldade de se inserir no mercado de trabalho formal que levou a produtora cultura Ciça Pereira a criar no ano passado um grupo no Facebook para conectar pessoas negras e as oportunidades que surgiam. Hoje, o grupo  Afrotrampos possui cerca 13 mil pessoas e no futuro vai se transformar numa plataforma fora da rede social. “Nosso foco é criar mecanismos de rede para conectar as pessoas que buscam oportunidades e essas vagas”, conta Ciça, que recebe apoio tanto da Evelle Consultoria como da Empregueafro nas discussões sobre recrutamento e recursos humanos.

Lançada em 2005, a Empregueafro já conseguiu incluir no mercado cerca de 300 pessoas negras. As empresas contratam os pacotes de serviço de recrutamento e seleção de profissionais negros e treinamento sobre a temática. “Nós fazemos também o acompanhamento para desenvolvimento profissional dos negros que são incluídos”, conta Patrícia Santos de Jesus fundadora da consultoria.

Com cerca de 4.500 candidatos cadastrados, Patrícia entende que incluir os negros é o primeiro passo para uma empresa mais plural. “A diversidade é uma questão de negócios para as empresas. Hoje, 54% da população consumidora é negra”, afirma.

Monique Evelle lembra que diversas pesquisas dão conta que a pluralidade no ambiente corporativo é lucrativa. “Isso significa que empresas estão perdendo dinheiro por ignorância e resistência a não entender a potência e abundância de profissionais diversos no ambiente de trabalho. Parece que as organizações preferem ser mais racistas e machistas do que capitalistas”, reflete.

Mais do que incluir negros, trabalhar a interseccionalidade entre gênero e raça vem sendo o grande diferencial dessas consultorias tocadas por mulheres negras. “Incluir é o começo, mas sabemos que não basta. A busca pela equidade de raça e gênero precisa ser uma preocupação estrutural nas empresas, é uma decisão consciente que exige planejamento e investimentos constantes para vermos a diferença em toda a empresa”, finaliza Adriana Barbosa.

Créditos

Imagem principal: Carol Ito

Ilustrações Carol Ito

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