Confissões de um lésbico

por Henrique Goldman
Trip #204

Henrique Goldman: ”Minha mãe era dominadora, minhas irmãs me maquiavam”

Minha mãe era dominadora, minhas irmãs me maquiavam, minhas namoradas achavam que eu era gay. Mas o destino e a falta de talento me fizeram sentir tesão por mulheres, e não por homens

Eu tinha tudo para ser uma grande bichona e, ao longo de minha vida, morder muitas fronhas, engatar mil marchas a ré. Cresci em um lar governado por uma mãe dominadora e irmãs mais velhas que adoravam me maquiar, me vestir com suas roupas como se eu fosse uma boneca. Eu era um menino medroso e sensível, não gostava de brincar de carrinho nem de jogar futebol.

Quando dirigi Todas as mulheres que amei, um documentário para o Channel 4 a respeito de minhas ex-namoradas, nem me surpreendi com as declarações de cinco entrevistadas que, relembrando nosso primeiro encontro, confessaram ter pensado que eu era gay. Concluo que tenho mesmo esse jeito de bichona veia, e só mesmo a força do destino e uma absoluta falta de talento fizeram com que sentisse tesão por mulheres e não por homens. Acho que sou lésbico.

Chatofobia

Um amigo salvadorenho me contou que em seu país desenvolveram uma curiosa fórmula para questionar a heterossexualidade dos homens. Quando um deles diz “soy macho!”, costuma-se perguntar “macho comprovado o no comprovado”? A lógica da pergunta é a seguinte: para que um homem possa se declarar absolutamente macho, ele deve ter, anteriormente, agasalhado o croquete pelo menos uma vez e não ter gostado. A implicação é que quem nunca agasalhou não pode dizer com segurança absoluta se gosta ou não da coisa.

Há poucos anos, depois de uma balada, fui fumar um beck na casa de um querido amigo gay. O namorado desse amigo propôs que fizéssemos um trenzinho, um ménage à trois. Eu disse que a coisa não me apetecia, mas que eles se sentissem à vontade. Me levantei para ir embora, e o cara se aproximou e começou a abrir minha camisa, dizendo para eu relaxar e me deixar levar, que ia ser muito bom. Agradeci pela generosa oferta e expliquei que não era travação. Eu simplesmente não sentia atração por homens. O cara continuou insistindo, de um jeito arrogante e babaca. Me chamou de bofe enrustido com aquele ar condescendente de quem é gay e acha que no fundo todo homem gostaria (mas não tem coragem) de ser como ele. Mandei o cara se foder e fui embora, pensando que não tenho nenhum preconceito contra gays, mas sou totalmente a favor da discriminação e da perseguição aos chatos.

*HENRIQUE GOLDMAN, 48, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br

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