Envelhecer é acompanhado de dores e delícias. Mas não é assim todo o resto da vida? A Trip apresenta personagens que confirmam: envelhecer é incrível
A velhice não é, assim como nenhuma outra fase da vida, a "melhor" idade. Há, porém, uma energia diferente nos anos mais avançados que é inegável. A seguir, mostramos pessoas que tiveram uma vida movimentada e que continuam ativas. Elas confirmam isso e mais: que a vida pode continuar, a qualquer momento, sendo boa e cheia de planos.
Antonio Pitanga, 77 anos
O ator Antonio Pitanga tem uma vida de paixões arrebatadoras. A primeira é por gente. "A minha maior e melhor fortuna é fazer amigos com o dom de ser um contador de histórias", diz. A segunda, admirar suas raízes. "O idoso negro deve compreender que no passado nosso destino era morrer cedo. Temos que aproveitar nossa longevidade agora." A paixão mais fulminante, porém, é por si mesmo. "Me sinto um capoeirista mental e físico. Desenvolvo meu corpo e a cabeça. E só faço isso porque gosto muito de mim", explica. Com mais de 60 filmes no currículo – como Ganga Zumba (1963) e A idade da Terra (1980) –, o ator virou agora tema de um longa: o documentário Pitanga, dirigido pela filha, Camila Pitanga, e por Beto Brant, que vai levar suas paixões às telas dos cinemas nacionais em abril. "Me sinto agraciado por ser retratado por Camila como sou nos dias de hoje, pois tenho a grandeza de não querer ser um jovem. Reconheço as riquezas da vida que tenho agora em minhas mãos."
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Tomio Kikuchi, 91 anos
O professor Tomio Kikuchi decidiu deixar o Japão depois que as bombas atômicas foram lançadas em Hiroshima e Nagasaki, em 1945. O povo japonês, Tomio conta, havia perdido a autoestima, e ele percebeu que era a sua hora de se lançar em uma jornada. "Fui em busca de vida. E de ensinar ao próximo como viver." Dez anos depois, Tomio chegou ao Brasil, e, em 1968, fundou o restaurante-escola Satori, no bairro paulistano da Liberdade, onde ministra os segredos da alimentação macrobiótica. "A matéria--prima que nos cria, que gera nosso sangue, entra pela boca", afirma. Tomio diz nunca ter ido a um médico, e ainda continua firme a palestrar para centenas de pessoas espalhadas pelo país, além de ter escrito mais de duas dezenas de livros sobre como podemos educar nosso paladar e nossa mente para viver mais e melhor. "Devemos aceitar o envelhecimento fisiológico, diferentemente do envelhecimento patológico. Quando deixamos de trabalhar por nossa missão, nós adoecemos. Quando não paramos de ensinar e de viver sempre de forma prudente e sorridente, somos gratos ao envelhecimento", ensina.
Irencyr Beltrão, 76 anos
Na década de 60, o arquiteto Irencyr Beltrão levou para o mar do Arpoador um novo modelo de prancha, as madeirites, que revolucionaram o surf no Rio de Janeiro. Sempre à beira da praia, Irencyr viu a arte de pegar ondas evoluir desde quando era só jacaré. "Só fui pensar na idade quando passei dos 70… Mas percebi que não estava nem aí", conta. Irencyr, o "Barriga", ainda se dedica aos esportes integrados à natureza exuberante do Rio. Salta de asas-deltas, mergulha a 15 metros de profundidade em pescas submarinas e continua a construir alguns "brinquedinhos", como chama as pranchas que projeta. O segredo? Uma vida sossegada, acompanhando o ritmo das ondas. "Passei minha vida planejando, arquitetando coisas. Meu plano para o futuro é deixar acontecer."
Shigemitsu Sugiyama, 76 anos
A principal dádiva do luthier Shigemitsu Sugiyama é a paciência. Quando migrou do Japão para o Brasil, na década de 70, ele foi trabalhar em uma das maiores marcas de violão do país, mas a produção acelerada, quase industrial, o desagradava. "Madeira precisa de muito tempo para o timbre melhorar", explica. Lançou-se, então, à carreira solo e, enfurnado em sua oficina, ajudou a moldar a identidade da música popular brasileira. Violões Sugiyama estão nas mãos de artistas como Chico Buarque, Toquinho e João Bosco. Apesar do legado, o luthier ainda se sente distante de ouvir o ressoar perfeito de um violão seu. Para construí-los, Shigemitsu usa madeiras que deixou envelhecer por, no mínimo, 30 anos. Ele calcula que, depois de produzido, o violão precise de mais 15 ou 20 anos até que um bom timbre dê os primeiros passos. A perfeição demanda muito mais tempo do que temos em vida. "Segredo na vida é teste, teste e teste. E paciência para o resultado – com o tempo, tudo melhora."
Marina Villas Bôas, 79 anos
Marina Villas Bôas passou 12 anos entre os índios do Parque do Xingu, ao lado marido, o sertanista Orlando Villas Bôas (1914-2002). Em ocas espalhadas pelos 26 mil quilômetros quadrados da reserva, a enfermeira enfrentou endemias de malária e conflitos pelo domínio da terra, conheceu rios sagrados em que só autoridades espirituais podiam mergulhar e ouviu dezenas de idiomas. Desde que voltou, há cerca de 40 anos, Marina passou por muitas "luas", como os indígenas contam o tempo. "O idoso costuma ser excluído em nossa sociedade de consumo. Conheci uma sociedade em que o mais velho era acolhido e cuidado por ser o principal transmissor da sabedoria de um povo." Marina ainda pretende espalhar muita sabedoria: quer abrir um museu com relíquias trazidas do Xingu, conhecer povos da África e retornar às aldeias onde viveu. No mês passado, a cultura indígena foi homenageada no Carnaval carioca pela Imperatriz Leopoldinense e Marina estava lá. "Estou sempre pronta para mais uma aventura", ri.
Sulla Andreato, 63 anos
Sulla Andreato fugiu de casa na adolescência e viajou Brasil adentro. Como produtora de arte, conheceu Caetano Veloso, Alceu Valença e Tom Zé. Foi artista gráfica em grandes empresas e trabalhou em oficinas populares. Até hoje desenha o próprio figurino, sempre em cores exuberantes. Antes de assumir os fios brancos, também arriscou múltiplas formas de pintar o cabelo. Mas, em 2006, quando assumiu a direção de programação do centro cultural Galeria Olido, em São Paulo, Sulla descobriu algo que não conhecia. "Pela primeira vez na vida, tive contato com o skate." Desde então, Sulla traz filmes sobre o esporte para estreias no Cine Olido. "Quando comecei, o skate ainda era marginalizado. Hoje mostramos que as produções afirmam a identidade de uma cultura", explica. A empreitada tornou Sulla famosa no esporte, ela brinca, quando já achava que seu trabalho ficaria nos bastidores. "Gosto de estimular a juventude a ser quem é. Eu pego a energia do jovem, e eles tomam a minha sabedoria. E essa vida sempre vai me surpreender", conta.
Albert Lisbona, 73 anos
Às 6 horas da manhã, o engenheiro libanês Albert Lisbona coloca o capacete e parte para a pedalada diária que o leva ao escritório em que vende seguros, em São Paulo. No fim da tarde, troca de roupa e se aquece para uma longa partida de tênis. Três vezes por semana, enquanto clientes e funcionários almoçam, dirige até a raia da USP para se dedicar ao esporte que lhe concede uma felicidade plena: remar. "Me sinto melhor do que aos 18 anos", conta Albert, que tem algumas lesões no corpo, e, no peito, um marca-passo. O esporte surgiu quando ele sentiu a idade chegar e logo se tornou o principal aliado para enfrentar a passagem dos anos com disposição. "Não vou reclamar e me comparar a um jovem de 20 anos, pois não é só a performance que importa", diz Albert, que já participou de campeonatos mundiais de canoa havaiana e de vela. "Nós passamos por muita coisa até envelhecermos, mas remar me mostra como podemos continuar a ir atrás de nossos objetivos."
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Créditos
Imagem principal: Pablo Saborido e Pedro Loreto