Somos bilhões de pessoas conectadas por sistemas que pedem uma gestão madura e compartilhada

Somos bilhões de pessoas conectadas por sistemas que pedem uma gestão madura e compartilhada, coisa impensável para uma cultura que não aceita restrições, principalmente as impostas pela natureza e pela presença do outro

Caro Paulo,

Racismo, intolerância e preconceito são pautas recorrentes aqui na nossa Trip porque, além de identidade/diversidade ser um dos nossos valores, o tema é desta época que pode ser chamada também de fase jovem da humanidade. E a gente sabe bem que, nessa fase, o ser humano vive em conflito permanente com os outros porque ainda não tem segurança sobre quem ele é, então tudo que se afirma com clareza é ameaça à sua não definição. Principalmente em sexo, raça e time de futebol.

Na juventude, gostamos de desafiar limites de toda natureza. Limites do corpo, da mente, da lei, da autoridade, do tempo, da velocidade. Corremos riscos sem pensar, justamente para descobrir quem somos. Amamos desafiar os deuses porque nos acreditamos eternos. Esta é a ilusão: a juventude eterna é a conquista definitiva da guerra contra a morte, portanto contra os deuses e a natureza. Ciência e tecnologia são os instrumentos desse poder. E a juventude eterna, seu símbolo. Vide as plásticas e os cabelos tingidos das pessoas desenhando a caricatura de uma humanidade infeliz com a sua condição de mortal.

Olha que, de repente, não estou mais falando de uma fase da vida, mas de uma civilização que cultiva a juventude como um ideal, com tudo o que tem de direito, principalmente, o direito de não amadurecer. E aí está o problema: o corpo físico funcional da humanidade cresceu e evoluiu em complexidade: somos bilhões de pessoas conectadas por sistemas como o financeiro, o de recursos naturais, de comércio, de saúde pública, que pedem uma gestão madura e compartilhada, coisa impensável para uma cultura que não aceita limites, principalmente os impostos pela natureza e pela presença do outro.

GUERRA POR ÁGUA

As principais guerras que temos hoje são por recursos de sobrevivência. Na hora em que escrevo esta coluna, São Paulo e Rio começam uma guerra pela água do rio Paraíba do Sul. Não parece coisa de moleque?! Acho que é por isso que o antropólogo e filósofo Edgar Morin (A via para o futuro da humanidadeed. Bertrand Brasil) chama a atenção para a convivência de duas realidades no mesmo cenário e batiza este momento de crise da unificação: “Existe uma coincidência entre a proliferação de Estados soberanos, o crescimento de sua interdependência e de seu fechamento etno-religioso”. Para explicar a crise, ele é genial e bem mais cruel que eu: “O desenvolvimento [conquistado por esta cultura] produziu um subdesenvolvimento intelectual, psíquico e moral”.

Não acho que o desenvolvimento tenha produzido esse subdesenvolvimento. Ele apenas retardou o amadurecimento que poderia ter sido sem traumas. Infelizmente, vai custar caro para tirar esse atraso. Mas depois vai ficar bom. Vamos valorizar mais a ciência e a arte do que o poder e a hierarquia, vamos contar mais com a consciência do que com a lei e a polícia, vamos ter menos medo e mais prazer de ver a vida passar, o bem-estar do outro será de fato condição do nosso bem-estar, não vamos brigar como cidadãos que disputam direitos garantidos pelo Estado, mas como irmãos que se amam em nome do pai, ou da paz, ou da água, ou... daquilo que cada um encontrar como razão para brigar feito gente grande. Se cada um se decidir por essa opção já, o custo da transição começa a baixar.

Minha solidariedade a todos os Tingas do mundo e para você o abraço do amigo otimista.

 

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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