Casado ou solteiro?

Por que, hoje em dia, as pessoas se casam tão tarde e se separam tão cedo?

Caro Paulo,

Por que atualmente se casa tão tarde e os casamentos duram tão pouco? Se eu estiver errado na minha percepção, me corrija. Você é um deles e esse assunto não deve estar muito ausente de suas pautas. Acho que tem algo relacionado à noção de tempo e de auto-realização.

Eu me casei com 23 anos e meu casamento já dura 31. As pessoas brincam dizendo que isso é raridade. E me perguntam como consegui tal façanha. Eu não tenho resposta. Eu só tenho a história que eu vivi. Nessa história, um dos aprendizados mais importantes que tive de encarar e que impediu o meu casamento de acabar tinha a ver com a noção de tempo e a construção de uma relação.

Foi com um poema de Walt Whitman, poeta americano do princípio do século XX, que essa visão chegou até mim. Naquela época, cem anos atrás, ele dizia que "os jovens de hoje são muito impacientes. Não suportam ficar um fim de semana sem se falar e querem logo o divórcio. Eles não sabem que um fim de semana não é nada na perspectiva do tempo. Afinal o que são dois dias, dois meses ou dois anos de não se falar na perspectiva de uma relação que deve durar cinquenta? Com olhar tão curto, nunca experimentarão o prazer de se ter 75 ou 80 anos ao lado de alguém com uma longa história para contar, com uma memória para curtir".

Confesso que a idéia de um futuro lindo nunca me mobilizou no presente. Esse pensamento de dois velhinhos curtindo memória também não. Mas a idéia de ter uma perspectiva errada do tempo me fazendo não entender a vida, isso me tocou. Aquele poema salvou meu casamento porque me deu outra paciência, outra tolerância para conviver com as dificuldades que minha juventude não suportava. Naquela hora eu comecei a amadurecer e a entender a importância da noção de tempo na construção de qualquer coisa duradoura na vida.

Pueril felicidade

Não se trata de abrir mão do presente pensando no futuro - isso não combina com a minha expectativa de tirar o máximo de cada momento. Mas da compreensão de que aquele presente é muito mais complexo do que a minha urgência de pueril felicidade estava pedindo.

Essa noção de um presente maior é que nos faz romper com o álibi equivocado do aqui-agora e nos coloca em contato com o durar, com um ritmo, com um fluxo de tempo que faz você ver através e além, e renova o tesão de viver. A consciência que se ganha é que tem muito mais prazer para se tirar da vida e que esse prazer depende muito menos daquele momento, daquela companhia e daquele lugar e muito mais da maneira como eu vejo aquele momento, aquela companhia e aquele lugar.

É romper com Matrix, com a ilusão da circunstância, e entrar em contato com a essência, com o propósito; para descobrir a escolha certa. Como em Matrix Reloaded, é tudo uma questão de propósito e escolha. Para que se casa? O que é o amor? O que é o objeto do amor? Amor I love you! Por isso I love her. Amor I love you. O objeto do amor é o amor.

É preciso amar o amor. Por isso Neo ainda não fez a escolha certa. Ele salva a mulher, mas perde a aventura. Por isso a história continua. Não sei de nada, mas aposto que os próximos capítulos vão mostrar que só correndo o risco de perder a mulher ele a ganharia porque ele teria optado pelo amor que seria salvar o mundo, onde ela estaria. Vamos ver.

Enquanto isso, eu fico com a pergunta: o jovem de hoje está com dificuldade de acessar a verdadeira noção de tempo e com isso confunde auto-realização na vida com satisfação do fim de semana? Falta consciência de propósito para se fazer escolhas que durem no tempo? Ou é outra noção de vida que eu com os meus 54 anos, 4 filhos e um neto nem consigo imaginar? Me conte. Como é? To be continued.

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