Carta Aberta à Dilma

por Henrique Goldman
Trip #232

Gostaria de evitar que a Copa fosse atrapalhada pelos protestos violentos dos indignados.

Cara presidenta, sou amante do futebol e gostaria muito de evitar que a Copa fosse atrapalhada pelos protestos violentos dos indignados. Peço que fala um pacto pela paz e admita os seus erros

Não resido em nosso país há 32 anos e admito ignorar muito do que acontece por aí. Peço perdão antecipadamente se esta minha carta lhe soar leviana e ingênua demais. Se, por um lado, peco por ignorar nuances certamente importantíssimas, talvez, por outro lado, este olhar meio distante possa abranger contextos mais amplos. Tomara que lhe seja útil.

Tem muita gente muito descontente em nosso país e o seu governo faz parte dessa insatisfação. Não vou entrar em detalhes, pois a senhora sabe muito bem que nas ruas acusam seu governo por não cumprir promessas, pela corrupção generalizada, pela incompetência, pela absurda burocracia e pelo total descaso com as causas ambientais.

Vou ser breve: sou amante do futebol e gostaria muito de evitar que a Copa do Mundo fosse atrapalhada pelos tumultos que, por essas razões, com toda probabilidade, vão acontecer – tumultos que prometem ser violentos e causar uma reação violenta por parte da polícia.

Com a bola nos pés, presidenta, entramos numa dimensão simbólica, mitológica da existência. Nos gramados, evocamos deuses profundos, transcendemos o ego em direção ao sagrado. Nessas instâncias, o Neymar e o Hulk, nossos representantes num âmbito muito maior do que o da política partidária, são infinitamente mais importantes do que a senhora e os indignados que prometem estragar a festa.

Dilma, até os seus piores detratores e inimigos têm que admitir que a senhora ama a democracia. Sua biografia é uma prova disso. Seria condizente com esse seu amor pela liberdade saber respeitar a raiva dos indignados. A senhora é muito inteligente e sabe que o seu governo tem sido fraco. Faça um pacto com os indignados. Proponha a paz durante a Copa e, em contrapartida, admita publicamente os seus erros, se comprometendo a não disputar as próximas eleições. Os políticos raramente admitem suas fraquezas e pedem desculpas. Seria um sinal de força e honestidade, um lindo legado de coragem. E a senhora já provou ser uma mulher forte e audaz.

COMO MÉDICI

Recentemente, presidenta Dilma, encontrei o Edu, o histórico ponta-esquerda do Santos, que foi tricampeão mundial em 1970. Ele me contou que, quando a seleção estava no México disputando a Copa, o general Emílio Garrastazu Médici, então presidente de um Brasil que, como a senhora bem sabe, torturava dissidentes e censurava jornais, telefonava todos os dias para a concentração e conversava com cada um dos jogadores, inclusive os reservas. Nesses telefonemas, o general lembrava os jogadores das suas gloriosas missões em campo, jogando futebol em nome do povo brasileiro, que, assim como hoje, vivia então um momento delicado da sua história.

Não sou nacionalista e cresci odiando a ditadura militar, mas apelo para que a senhora repita o gesto tão inteligente do detestado general. Dê apoio ao Júlio César na saída do gol. Encoraje o Paulinho a sair da zaga e descer para o ataque, aparecendo na área inimiga como um fantasma, como só ele sabe fazer. Peça para falar com o Marcelo e use sua autoridade, mandando ele colar no Neymar na ponta-esquerda, mas não esquecer de voltar para a defesa para bloquear contra-ataques. O mesmo serve para o Daniel Alves na ala direita. Mande o David Luiz não bobear e lembre de dizer que ele é um craque. É nossa identidade que está em jogo e ela é mais importante do que a Petrobras.

Não somos feitos só de razão, presidenta. Nesse quesito, a senhora tem sido uma desilusão, mas acredito que, se souber pedir desculpas, a história se encarregará de desculpá-la. Somos feitos também de sonhos. Eis aí uma possibilidade de redenção. Não perca a oportunidade.

Um beijo, Henrique

*Henrique Goldman, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles.

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