Carne é veneno?

por Redação
Trip #232

Aquilo que nos colocou no topo da cadeia alimentar ainda rende discussões acaloradas

Baby do Brasil, 61 anos, cantora

“Existe muita controvérsia em relação à carne. Algo que surpreendeu nos últimos tempos foi a dieta associada a grupos sanguíneos, tão usada em clínicas naturopatas e bio-ortomoleculares. Segundo essa dieta, cada grupo sanguíneo tem a lista de alimentos nocivos, neutros e benéficos. Por exemplo, para o sangue A, a carne vermelha é um veneno; para o sangue tipo O, ela é benéfica.

Eu fui ovolactovegetariana durante 12 anos e achava que não comer carne me tornaria mais pura espiritualmente. Graças a Jesus Cristo, me libertei desse ledo engano, pois, como disse Jesus: ‘O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem’. Na parte física, ter sido vegetariana foi uma experiência enriquecedora com relação ao consumo de vegetais, frutas e leguminosas. Minha dieta alimentar se expandiu, trazendo hábitos saudáveis que hoje fazem parte da minha vida e da vida da minha família.”

André Mifano, 36 anos, cozinheiro e sócio do restaurante Vito, em São Paulo

“Carne não é veneno! Veneno é o que jogam sobre a maior parte das lavouras. Veneno é o que colocam na nossa comida, e dão o nome de conservantes. Se você não quer consumir veneno, saiba de onde vem sua comida. Conheça o seu produtor e valorize o seu produto.”

Carne não é veneno, mas a forma como ela está sendo produzida e consumida deve ser questionada. O ser humano é bioindividualizado gastronomicamente: cada organismo é um mundo. Tem gente que não está comendo carne, mas deveria se alimentar com proteínas de origem animal por questões de saúde; tem gente que está comendo carne e jamais deveria fazer isso. A gente não sabe observar essa nossa bioindividulidade gastronômica. O que se coloca para dentro é diferente para mim e para outra pessoa. Se eu como banana-nanica, passo mal. É um tipo de observação que podemos fazer para termos uma otimização total do nosso funcionamento orgânico.

Fabiana Sanches Urbai, 35 anos, criadora do Festival Disco Xepa, uma intervenção contra o desperdício de alimentos nas feiras e supermercados

"A produção da carne está organizada dentro de monopólios, em uma cultura de coronelismo e por meio de invasão territorial. Na Amazônia, a produção é de um boi/hectare. O modo de trato é outra questão. A gente come o animal, mas desconecta ele da vida. Vale para a carne de peixe também: está havendo um holocausto nos oceanos com a pesca extrativista.

A cultura gastronômica do brasileiro é carne, carne e carne. Quando a gente pesquisa em livros mais antigos, há inúmeros vegetais, mas há um superapego à carne, cujo sabor é altamente viciante. A gente não pode se deixar levar por essa cultura do churrasco. Estamos num país que é abundante nos reinos vegetal, fungi e mineral. É perigoso falar da carne como se fosse cigarro, mas está errado esse alto consumo. O consumo inconsciente, desconectado do setor produtivo ecológico. A gente pode juntar novas culturas, a partir de novas técnicas.”

Tania Menai, 43 anos, jornalista e colunista da Tpm que mora em Nova York

“Eliminei carne vermelha da minha dieta muito antes de saber o significado de vegetariano ou vegano. Uma aula de biologia foi o suficiente: meu professor comparou a digestão da carne com a dos demais alimentos. Não vou entrar em detalhes, para que continue lendo sem embrulhar o estômago. Não comi carne nem na gravidez – e minha filha nasceu saudável. Aprendi a buscar proteína e ferro em outros alimentos, como lentilha e feijão. Vi uma palestra do escritor americano Jonathan Safran Froer, autor de Comer animais (editora Rocco), livro baseado na pesquisa que ele fez para descobrir de onde vêm as carnes que ele daria a seu filho pequeno. Nenhuma empresa responsável o recebeu. Precisa dizer mais? No judaísmo, minha religião, a dieta kasher proíbe carne de porco e frutos do mar há mais de 5 mil anos. Há formas menos dolorosas de tirar a vida de animais. Em 2014, não há desculpas: todos sabemos como os animais são tratados e mortos. E como são cruelmente confinados para produzir leite, proporcionar couro, pele e lã, colocar ovos. Não há diversão em desequilibrar a natureza. Passou da época de ignorarmos nosso egoísmo, sabendo que prejudicamos mamíferos, aves e peixes – e há quem pague R$ 20 mil por ano para embelezar cães e gatos.”

Hector Lima, 38 anos, redator e roteirista

“Tirei o veneno da carne do meu corpo há 20 anos, após entender a crueldade que é um ser humano matar outro animal para comer. Também li textos suficientes sobre a longevidade e a qualidade de vida de culturas vegetarianas para tomar uma atitude. Há pouco, participei de um estudo do InCor comparando a saúde cardiovascular de vegetarianos e onívoros. Os primeiros resultados apontaram que a dieta vegetariana protege mais o coração. Antigamente não havia tantas alternativas à carne, mas hoje existem substitutos como soja, espirulina (uma alga com altos níveis de proteína) e até arroz integral puro – usado por vegetarianos e veganos praticantes de atividade física. Isso desafia o antiquado estereótipo de fraqueza ligado a quem não come carne. Quero ver alguém zoar o vegano Patrik Baboumian, atual ‘Homem mais forte do mundo’.”

Daniel Biron, 37 anos, chef de cozinha

“A carne é um veneno para o organismo humano: produz toxinas carcinogênicas ao ser digerida, causa aumento dos níveis de colesterol LDL e o risco de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. É também um veneno para o meio ambiente: consome recursos hídricos, polui, devasta ecossistemas, gera desmatamento e destruição ao criar monoculturas de soja e milho para alimentar os animais. Mas a carne é, acima de tudo, um veneno para nossa consciência: milhões de criaturas sencientes são exploradas, torturadas e mortas em nome do prazer gustativo de alguns, que ignoram esse sofrimento e veem esses animais inocentes apenas como commodities.

Perpetua-se assim uma cultura antropocêntrica e especista, que atribui valores de superioridade ou direitos diferentes aos seres.

Retirar a carne de todos os animais e seus derivados da minha dieta me proporcionou melhorias físicas e cognitivas, mas gerou principalmente bem-estar do ponto de vista ético. Um detox simultâneo da mente e do corpo. Mesmo que imperfeita, é uma busca por uma vida mais sustentável, equilibrada e com compaixão, onde se privilegia o coletivo e consideram-se os interesses de humanos e não humanos.”

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