Calibre 12 gourmet

por J.R.Duran
Trip #212

Duran: ”Nunca imaginei que o estilo restaurante-bunker poderia se tornar tendência em SP”

Nunca imaginei que o estilo restaurante-bunker poderia se tornar uma tendência arquitetônica em São Paulo, uma cidade sem guerra civil declarada

Junho, por aqui, é mês de Parada Gay, Santo Antônio, festa junina e São Paulo Fashion Week, a semana da moda, com passarelas instaladas no prédio do Pavilhão da Bienal, de onde se projetam as tendências da próxima estação. É um indicador do que vai se levar, em termos de cores, estilos e essa coisa toda que faz com que as pessoas demonstrem para as outras quem gostariam de ser. Do lado de fora, nas ruas da cidade, a tendência para roubos foi o assalto a restaurantes no meio da noite, em qualquer dia da semana. Prato cheio para os bandidos: uma porta aberta, um salão repleto de possíveis vítimas totalmente distraídas, um caixa com dinheiro.

Em meio à novidade, um oficial da PM declarou aos jornalistas que, ao escolher um restaurante, deveria se considerar “se o restaurante que você frequenta tem câmeras, segurança patrimonial, portas de segurança”. Para ele, esses lugares não vendem só comida, “vendem também atendimento, ar-condicionado e segurança”. Ou seja, no próximo guia de restaurantes da Veja São Paulo se espera que, além das estrelas dadas à qualidade da comida do estabelecimento, as resenhas venham com pequenas pistolas (uma, duas, três) para qualificar o sistema defensivo do lugar.

Vinte anos atrás estive em George Town, cidade na Tailândia esparramada na beira do estreito de Malaca. O estreito era um dos maiores parques de diversões dos candidatos ao papel de Jack Sparrow do século 20, antes que as costas da Somália entrassem na moda, e na rota, dos piratas modernos.

Os estabelecimentos comerciais de George Town tinham as portas abertas – escancaradas – mas, em cada uma delas, um homem sentado em um banquinho segurava uma espingarda calibre 12 (a pump-action shotgun, conhecida como “punheteira” pelo gesto que tem de ser feito ao ser carregada com uma mão só). Confesso que achei a necessidade meio far west, porém, encarei como um sinal dos tempos e da situação primária em que é necessário viver em algumas partes do planeta.

Restaurante-bunker

É verdade que nem tudo o que envolve violência se transforma em uma constante espiral de descida aos infernos. Em Beirute, capital do Líbano, um dos clubes mais agitados é o B018, instalado em um bunker subterrâneo desativado. Em noites estreladas, o teto se abre e espalha a música e as risadas dos convidados, que tentam esquecer os sofrimentos de uma guerra civil longa e intensa. Nunca imaginei que em São Paulo, cidade sem guerra civil declarada, fosse necessário percorrer o caminho inverso dos libaneses; que o estilo restaurante-bunker poderia se tornar uma tendência arquitetônica, feita sob medida para que os proprietários possam deixar seus clientes jantar em paz. Modas vão e vêm. Essa do bunker, segundo a fala do oficial responsável pela segurança, é capaz que seja uma tendência que tenha vindo para ficar.

Na SPFW, uma das grifes desfilou a sua coleção com o tema Safári Noturno. Por coincidência, um estilo apropriado para vestir de uma maneira bem fashion os eventuais guardas encarregados de proteger os estabelecimentos. Como a tendência de violência, entre nós, parece seguir um viés de alta (para usar um termo de economista, bem up-to-date), espero que ainda esteja distante o dia em que será necessário importar da Tailândia a moda do homem sentado no banquinho, com a calibre 12 no colo, para guardar a porta do restaurante.

Passarela fashion, vida e sobrevivência – tudo misturado em um ritmo só, a caminho de onde for. Porque a lei da selva, a lei da natureza, a lei que faz girar o mundo, você já sabe, não muda: é sempre a lei do mais forte.

*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. Seu Twitter é www.twitter.com/jotaerreduran

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