Falamos e nos fotografamos desesperadamente nas redes, como se vendêssemos a nós mesmos
Tenho a impressão de que sempre foi assim e só agora estamos começando a perceber. As redes sociais escancararam a realidade ao nos fornecer meios e acessos. Estamos surdos. Estamos tão loucos para falar, para dizer o que nos afeta, nos incomoda, que não conseguimos parar para escutar. Falamos e nos fotografamos desesperadamente nas redes, como se vendêssemos a nós mesmos. Ou então como moleque arteiro que atira pedra na vidraça da vizinha e depois volta para ver o estrago. Só se ouve o outro quando a resposta concorda conosco ou nos interessa. Não se discute o que se discorda a fim de compreender porque o outro pensa diferente de nós ou por imaginar que possa haver outros ângulos de visão, além do nosso.
Estamos arrogantes. Não percebemos que cada pessoa tem seu ângulo de visão e que ninguém consegue ver com os 360 graus necessários. Só por isso já é importante saber como o outro enxerga; que visão diferente ele pode nos apresentar. Antes, bloqueamos e deletamos o que não compõe conosco. Nada se aprende, apenas se faz eco e fica cada um em seu quadrado. Parece que estamos em uma trajetória rígida que temos apenas que prolongar.
Estamos prepotentes. Quando se discute, nunca é em alto nível. Quase sempre são pessoas querendo reafirmar suas idiossincrasias, exterminando a possibilidade de diálogo e troca. É então que surge a apelação, a tergiversação, o argumento em falso e a necessidade de ganhar a qualquer preço. Não importa o que o outro tenha a acrescentar se não concordou conosco. É preciso ganhar, e assim perdemos. Perdemos a visão que poderia complementar a nossa e ir mais fundo. O próximo passo é descambar para a baixaria.
Estamos preconceituosos. É da falta de contrapartida que surge o preconceito. É no cotejamento dos argumentos que conferimos a lógica e afinamos nossas ideias. Mas nós tendemos a observar pessoas, estereotipá-las e, qual fossem borboletas imutáveis, espetá-las no álbum de nossa memória. Buscamos as informações mais negativas sobre as pessoas para conceituá-las. Não as escutamos e, a qualquer deslize, as excluímos sumariamente. Não queremos perder tempo com análises mais profundas.
SEM PRECONCEITO
Recentemente um crítico literário recebeu um livro meu de poesias (Desconforto). Um escritor depende da resenha dos críticos para vender seus livros. É quando seus textos vão sendo analisados ou discutidos nas academias que ele vai sendo reconhecido como escritor. São os críticos que o diplomam. Abrindo o livro, o citado crítico percebeu que eu havia estado preso. Já ia desistindo de ler, sem nem querer saber o valor do texto, preconceituosamente. Justificava: havia lutado a vida toda contra maldades e, por conta disso, desenvolvera aversão a tudo que se relacionasse ao crime. Mas, como profi ssional que é, decidiu dar uma olhada em minhas poesias. E não é que gostou? Gostou tanto que publicou crítica favorável ao meu trabalho, contando o que descrevo aqui (osoriobarbosa.com.br/node/556). Ainda copiou, em sua avaliação, várias poesias do meu livro, valorizando minha composição poética. Não quis me ouvir, mas, quando se pôs a ler, gostou de minha voz.
As pessoas são uma multiplicidade de possíveis aprendizados que nem sempre são nossos. Aceitar, não julgar e acolher nos faz crescer juntos. O ideal seria crescer com as pessoas que realizam sem nós e, por vezes, até contra nós. A diferença entre nós e os outros é a riqueza da vida, a multiplicidade infinita de possíveis aprendizados. É preciso resistir tenazmente à tentação de afastar o que nos é estranho ou aquilo de que discordamos. Nele pode estar o segredo de nosso crescimento.
*Luiz Alberto Mendes, 62, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com