Cabeça, coração e futebol

Guimarães: ”A filosofia de trabalho do Corinthians vale para todo o mundo do trabalho”

Na final da Libertadores, um repórter perguntou ao técnico do Corinthians qual era a fórmula da vitória: “disciplina, administração e... amizade”, respondeu.  E, pensando bem, o mesmo vale para todo o mundo do trabalho

Caro Paulo,

Eu sou corintiano e vou usar o Corinthians para falar de amizade. Mas, antes que meus filhos e amigos me acusem de ser um corintiano meiaboca, quero dizer que, embora eu só acompanhe meu time em decisões, meu sentimento é de ser corintiano boca inteira (sem trocadilhos!). Por isso me emociono tanto com suas vitórias e derrotas. Meu pai era santista, meu irmão mais velho era são-paulino, assim como meus tios. Mas eu nasci corintiano. Eu me orgulho disso e gosto de cultivar minhas emoções corintianas.

Após a vitória da Libertadores, fui dormir com a imagem da TV que mostrava o Tite indo comemorar com a torcida quando um repórter perguntou qual era o segredo da campanha vitoriosa. Buscando o olho do jornalista para que não perdesse nada da resposta, Tite disse: “Disciplina, administração e... amizade. Juntar isso aqui com isso aqui [aponta para o coração e para a cabeça], esse é o segredo”.

Fiquei pensando como ele teria conseguido criar sentimento de amizade num time com relações tão competitivas e provisórias. Achei até que ele estava marqueteando para ser mais um vitorioso a fazer palestras em workshops com sua fórmula milagrosa de sucesso: disciplina e amizade. Mas a vitória lhe dava crédito e dormi com a lição de entender sua fórmula de sucesso.

Quando sentei para escrever sobre amizade, a imagem do Tite me veio à mente. Apareceu também a figura do Luiz Seabra, meu amigo e um dos fundadores da Natura, que por anos me falou: “Precisamos criar um clima de amizade na empresa”. Nunca acreditei ser possível tal a competição e o cinismo que reinam em ambientes corporativos. Mas o Luiz, assim como o Tite, tinha crédito. Resolvi investir na possibilidade de existirem amizades além daquelas que a gente tem como dadas pela vida.

Algo em comum
O que define amigo, além do óbvio e necessário afeto? Busquei nas minhas experiências pessoais em que tive um forte sentimento de amizade mesmo que efêmero, mesmo que não tivesse a intimidade de muitas alegrias e perrengues compartilhados ao longo de uma vida e descobri: senso de destino compartilhado!

Não por acaso, uma dessas experiências foi quando, a convite de meu corintianíssimo primo Lidu, fui pela primeira vez ao Parque São Jorge. Do estacionamento, passando por todas as portarias, fui tratado como se fosse um frequentador assíduo do clube tal o jeito familiar com que todos se relacionavam. Não senti que eram funcionários controlando a entrada e a saída de sócios. Claro que havia hierarquia e burocracia, mas, acima de tudo, éramos todos corintianos. Tínhamos algo em comum que criava um vínculo imediato. Comecei a entender o que o Tite e o Luiz queriam dizer com amizade num ambiente corporativo. 

Lembrei de clientes nos quais havia de verdade uma causa, um propósito. Havia conflitos de interesse, claro, mas o senso de destino compartilhado criava um vínculo e um apreço que iam além da conveniência de juntar forças para atingir uma meta ou enfrentar um inimigo comum. Havia o sentido de criar uma história, transformar uma indústria, fazer a sociedade evoluir. Tinha amizade mesmo em momentos difíceis. Esse é o segredo. Um senso de destino compartilhado que faz nascer um vínculo forte que, temperado com apreço e afeto, vira amizade. Será que não é isso que está faltando para encontrar melhores soluções para nosso destino como sociedade e planeta? Um senso de destino compartilhado que crie amizade entre corintianos, são-paulinos, palmeirenses e santistas de todo o mundo.

Abraço forte do amigo,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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