por Felipe Maia

Em entrevista, funkeiro afirma que novo álbum é um retorno às origens e diz: ’Claudinho e eu éramos os bons moços do funk’

Na Praça da Playboy ou em Niterói, no Fazenda, Chumbada ou no COI: há quase vinte anos Buchecha emplaca sua música nesses e em tantos outros endereços do Brasil. Batizado Claucirnei de Souza, ele e seu parceiro Claudinho colocaram o funk do Rio no mapa do país bem antes da ostentação, do beijinho no ombro ou do show das poderosas. “Éramos os bons moços do funk”, diz ele em entrevista à Trip.

Nem tão bom, nem tão moço, Buchecha volta às prateleiras dos álbuns com o disco Adesivo. Aos 39 anos, o carioca de São Gonçalo ainda não resiste aos trocadilhos - vide faixa “Cor Sim, Cor Não” -, mas guarda o paladar por um peculiar rebuscamento lírico. O calendário controlado sem utilizar as mãos dá lugar a versos como “interpretar o profano e o santo”, enquanto termos como o desconhecido adjudicar são substituídos pelo dubitável tropel. “O dicionário é meu livro de cabeceira”, afirma.

Se seu estilo de composição se mantem desde o estouro em tempos de programa da Xuxa, o mesmo não vale para suas bases. Buchecha ainda canta na leveza do melody, mas não hesita em jogar na métrica ou nas camadas do hip hop com aspirações de pista. Culpa dos produtores Umberto Tavares e Mãozinha, midas também por trás dos embalados Anitta e Naldo.

A escolha pode não agradar os saudosos das baterias eletrônicas, mas pode funcionar para as vendas da nova empreitada do cantor. “Existe um diálogo muito franco [entre funk e hip hop]”, teoriza. Não à toa o disco abre com a faixa “Baile em Miami”, com participação do rapper Flo Rida. O título desvenda mais uma viagem sonora do Rio de Janeiro à cidade norte-americana que uma visita ao Miami Bass, gênero nascedouro do ritmo carioca.

Ainda assim, Buchecha prefere que seu disco seja visto e ouvido como uma retomada do início da carreira -- seu período de maior sucesso. “Em meio ao funk ostentação, eu venho ostentando amor, alegria e irreverência”, diz ele na entrevista em que comenta o significado implícito do nome do novo álbum, reafirma a influência de Lulu Santos e responde à maior pergunta do cancioneiro pancadão: qual a diferença entre o charme e o funk?

Trip: Por que o disco se chama Adesivo? Tem um adesivo de mentira na capa que a gente tentou tirar. Buchecha: É uma pegadinha mesmo! São aqueles adesivos de preço mesmo, mas o nome se deu porque a faixa-título fala de amor. O que se espera nessa história de amor é que o casal se torne um grude, sem ser chato, mas que abdiquem um pouco do smartphone. A gente sempre vê o pessoal falando que por conta disso as pessoas não se reunem para conversar, por exemplo. Fiz essa música pensando nisso: seria legal se a gente voltasse um pouco no tempo. É uma música que fala de amor. E também porque a intenção é que essa música vire um grude mesmo!

E como nasceu a ideia de fazer outro álbum? Essa ideia surgiu quando o rapper Flo Rida veio ao Brasil. Tenho um colega que trabalhou com ele aqui na turnê e estava rolando o papo de que ele queria gravar uma música com um artista do Brasil. Mandei uma letra pra ele e ele aprovou. Ele fez a parte dele, do rap, e eu fiz a minha parte. Aí nasceu “Baile em Miami” e surgiu o disco. Chamei outros parceiros também: o Catra, a cantora Nanda e, a participação mais supreendente, meu filho. A música dele, “Pensamentos Voam”, é a princesinha do CD. Nesse álbum tem muitos pitacos dos meus filhos. Eles deram várias dicas e me ajudaram muito. Eles foram meu primeiro público, meu primeiro ouvido. Eles vinham com muita ideia nova. Tem muita música em que eles participaram.

Como foi a gravação desse disco? Fiz esse disco bem rápido. Deve ter levado um mês e meio por conta da minha agenda. Se eu estivesse mais livre nesse período, levaria até menos tempo. Gravei 25 músicas e, dessas, foram escolhidas 13 por confiança das pessoas envolvidas. Foram todas escolhidas a dedo. Cada música tem uma história. Todo mundo que trabalha comigo opinou no disco e estou muito seguro em defendê-lo. Quem gosta de dançar com um funk mais atual, mais moderno, vai curtir. E quem for mais romântico vai curtir também. Tem pra todos os gostos. Esse disco é minha volta às origens também. Remete muito ao funk que o Claudinho e Buchecha faziam no início, ao funk melody. Em meio ao funk ostentação, eu venho ostentando amor, alegria e irreverência.

Todas as faixas são inéditas? Tem uma regravação de uma música do Fábio Júnior, “Lua”. Deixei ela mais dançante. Respeitei a métrica e a melodia, mas botei a minha cara. Procuro sempre juntar o lado romântico com a alegria, com essa proposta de fazer as pessoas dançarem sempre.

Qual é a primeira música de trabalho? A música de lançamento é Frutilly. Ela é muito importante pra mim porque fala do tempo que eu era servente de obra e não tinha dinheiro pra fazer um programa com a namorada. Só podia comprar um saquinho de pipoca e picolé e ia namorar na pracinha. A grana era curta, mas era o que salvava o final de semana. A gente só fazia esse programa e a música que embalava o amor do casa era Lulu Santos, que eu menciono na música.

Como você compõe? Sempre tem umas palavras diferentes nas letras. Eu estudei até a 4ª série e, de onde eu vim, a gente falava gírias o dia todo. A gente se comunicava bem lá, mas quando eu e o Claudinho surgimos como dupla, não tinha condição de falar publicamente tantas gírias. Para você se tornar músico e falar com as pessoas você precisa buscar algo mais. Foi aí que eu me casei com o dicionário. Tem dois livros que carrego comigo: o dicionário e a Bíblia, um livro que sempre traz esperança de dias melhores. Não tenho religião, mas o Deus da Bíblia é algo sobrenatural que fala comigo. A Bíblia e o dicionário são meus livros de cabeceira. Em músicas como “Nosso sonho” e “Adesivo” eu usei muito o dicionário. Quando tenho alguma dúvida com alguma palavra ou algum entendimento eu vou ao dicionário. Pra procurar alguma rima ou sinônimo também.

Você trabalhou com os produtores do Naldo e da Anitta. Você acha que esse é o caminho do funk agora, esse encontro com o hip hop e o eletrônico? Sim, com certeza. O funk e o hip hop, paulistano ou internacional, eles se conversam. Uns falam de bebida, mulherada e amor e tem outros que falam de protesto, alertas. Acho que eles se comunicam muito bem, existe um diálogo muito franco. Tem um beat bem parecido também. É um casamento perfeito. O Umberto Tavares e o Mãozinha, os produtores, estão com uma mão muito boa. Tudo em que eles põem a mão vira ouro! Eles são o Memê da atualidade [celebrado produtor dos anos 90]. Está todo mundo de olho nos caras e eu não podia ficar de fora. Eles já tinham trabalhado comigo antes também.

Você acredita que o funk agora alcança muito mais gente? Sim, hoje está melhor. Antigamente quem falava fora da comunidade eram só o Claudinho e o Buchecha. Vendemos milhões de cópias no primeiro CD. Éramos os bons moços do funk. O funk tinha uma linguagem diferente. Depois veio o funk do tamborzão, o Mc Créu, a Valesca Popozuda. Hoje em dia tem muito mais gente vivendo do funk. O cenário atual é muito mais favorável, mas na nossa época não era assim. Nunca senti nenhum menosprezo em relação a meu funk, mas para outros artistas já foi muito difícil.

Como você vê o funk adquirindo definitivamente esse posto de importante expressão popular? Tem muito moleque produzindo nas periferias. Funk é música, é preciso entender isso. Claro que para tocar na rádio tem que passar por um filtro para não ser algo que prejudique a sociedade. Música serve pra trazer alegria e diversão. Não gosto de letras com tom pejorativo contra as mulheres. Não deve haver censura, mas não se pode perder o respeito. Acho válido que tenha tanto funk, mas tem que ter qualidade, senão a gente vai regredir e a gente quer evoluir.

E qual grande diferença você sente em relação a teu início de carreira? A diferença que me impacta mais hoje em dia são as redes sociais. Antes as pessoas ficavam mais tempo reunidas, conversando. Hoje em dia é tudo virtual. Você às vezes dá um bom dia para as pessoas nas redes sociais e todo mundo responde aquilo. É importante passar por filtros para ter uma leitura do que é o momento hoje, do que é essa geração. Tenho cuidado com esse tipo de aparição. Hoje vou fazer 40 anos e quando comecei não tinha internet. As redes sociais são impressionantes.

Você não aborda o funk ostentação nesse disco, mas como você vê esse fenômeno? O funk ostentação é uma realidade hoje. Vi uma matéria dizendo que os caras ganham de R$ 300 mil a R$ 500 mil por mês. É uma grana alta! Então é uma realidade, é uma vertente do funk. A bandeira que eu levanto é do funk melody, que atravessa gerações e vai passando de pai pra filho. Estou muito feliz com o funk que eu faço, mas existem outras vertentes que respeito. Defendo o funk melody, o funk que conversa com Fábio Júnior, com Lulu Santos, que toda a família escuta. Acho que você pode brincar com os sentidos, fazer o duplo sentido de forma inteligente. A Rita Lee brincou muito com isso, o próprio Lulu, enfim, eles fizeram isso de forma inteligente. Acho que a gente pode fazer isso também.

Quais são seus próximos passos com esse novo disco? Vou começar a turnê Buchecha Adesivo em março. Futuramente vou gravar o DVD com as músicas que ficaram de fora desse CD.

Pra fechar: qual a diferença entre o charme e o funk? Acredita que até hoje eu não sei!? Dizem que um anda bonito e outro elegante. Mas eu diria que não tem muita diferença. Tamo junto e misturado! O Brasil é eclético. Você vê o Lulu Santos cantando funk, a Ivete Sangalo cantando samba. A gente sempre mistura muito as coisas e misturar que é legal. Prefiro não ver diferença. Prefiro misturar tudo ali numa arca de Noé pra todo mundo se salvar.

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