O Sudão do Sul país é o mais jovem do mundo e vive uma guerra civil que já matou cerca de 380 mil pessoas, desde 2013. Em ”Junub”, Bruno Feder mostra um outro lado do país, que não aparece nos jornais
Depois de algumas viagens pela África, o então estudante de Relações Internacionais Bruno Feder passou a enxergar a fotografia como profissão e ferramenta de transformação social. Em 2013, após um curso em Nova York, o paulistano fez as malas, reuniu seu equipamento e partiu para Uganda. Três anos mais tarde, se fixou no Sudão do Sul – um percurso que a Trip contou recentemente em suas páginas.
Foi no país que Feder clicou Junub, série em que ele volta suas lentes para o que não costuma aparecer no noticiário quando o assunto é o Sudão do Sul. “Você até pode achar que o mundo está acabando, mas, no dia a dia, vendo aqueles jovens, percebe que existe muita resiliência no país”, conta o brasileiro. “Junub” é uma expressão que eles usam para expressar o orgulho de pertencerem ao sul. “É como uma afirmação da África negra, que não está ligada aos árabes que historicamente dominaram a região”, diz Feder, 35 anos.
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Mais jovem país do mundo, a região completou sete anos de independência do Sudão. Em 2013, um conflito entre os Dinka e os Nuer, as duas maiores etnias do país, provocou uma guerra civil que já matou cerca de 380 mil pessoas, entre vítimas diretas da violência e doentes sem acesso aos serviços de saúde, de acordo com a London School of Hygiene and Tropical Medicine.
Feder morou três anos em Juba, a capital sul-sudanesa, contratado para documentar ações humanitárias da ONG Confident Children out Conflict, que protege crianças órfãs. O fato de 70% da população ter menos de 30 anos, de acordo com a Unesco, motivou a criação da série: “Queria entender mais sobre aquela juventude, os comportamentos, encontrar lugares representativos para fotografar”.
Em Juba, um dos principais pontos de encontro dos jovens é o centro cultural Nyakuron. “Ali acontecem ensaios e batalhas de dança que promovem mensagens de paz.” É o que também fazem os jovens ativistas do Ana Taban (“estou cansado”, em árabe). Desde 2016, o grupo usa poesia, escultura e grafite para pregar a paz entre as mais de 60 etnias do Sudão do Sul. “Eles chegam a fazer shows dentro dos campos de proteção de civis e em lugares públicos. Mas são perseguidos, vivem sob tensão.”
A sensação de insegurança também altera o cotidiano em Juba. O rio Nilo, que corta a cidade, abriga uma ilha conhecida como Full Moon Island, um lugar de lazer. “A travessia custa cerca de US$ 1 e, por isso, muita gente não tem acesso a esse tipo de entretenimento.” Em uma das visitas, Bruno se deparou com uma festa de Dia dos Namorados, após a data oficial. “Eles adiaram a celebração porque estava rolando muito insegurança em Juba.”
Já em uma ocupação construída acima do que era o cemitério Hai Malakal, Feder encontrou pessoas que exibiam com orgulho seus jalabiyas (uma vestimenta típica) e suas tranças coloridas. “Há dez anos, eles vivem em tendas sem água ou esgoto encanados e sem ajuda de nenhuma organização. Além de tudo, moram literalmente em cima dos túmulos.”
Embora não exista uma lei que proíba a fotografia no Sudão do Sul, portar uma câmera é uma atividade de alto risco. Feder teve que conquistar a confiança das pessoas para fotografá-las em locais distantes da vigilância militar. Foram três anos de trabalho até que, em março passado, ele foi expulso do país, acusado de atividades ligadas à espionagem. Buscou refúgio na Etiópia e passa uma temporada no Brasil, sem expectativas de poder voltar ao Sudão do Sul.
O brasileiro registra um outro olhar sobre o país, que, como boa parte do continente africano, é lembrado pela violência e pobreza. “Espero que as fotos possam quebrar estigmas, fazer com que pessoas de outras partes do mundo se conectem de alguma forma.” Fica o convite.