Brasil desplugado

por Caio Ferretti
Trip #211

Na contramão da indústria internacional, país continua ignorando os carros elétricos

Na contramão da indústria internacional, país continua ignorando os carros elétricos

“Você tem interesse em comprar?”, pergunta-me o engenheiro Victor Levy. “Está com 5.000 quilômetros rodados”, propagandeia. O que está em jogo é seu Reva-i, o único carro elétrico de fábrica registrado em nome de pessoa física no Brasil, entre os cerca de 80 movidos a bateria que circulam atualmente pelo país. Victor nunca quis ser proprietário desse veículo. Seu modelo é o remanescente de um pequeno lote que ele importou da Índia e que lhe deu certo prejuízo. “O brasileiro não está preparado para o carro elétrico, e não sei quando estará. Eu não investiria nesse mercado de novo.”

Victor é o exemplo de como ainda estamos longe de termos um mercado de veículos elétricos. No exterior já há um consenso de que eles são a alternativa principal aos combustíveis fósseis. “O Brasil não tem interesse em ter automóvel elétrico, não existe política para estimular esse mercado”, diz o ambientalista Lincoln Paiva, especialista em mobilidade sustentável. “A curto prazo, o governo só pensa em como explorar as grandes reservas de petróleo do pré-sal.” Os números dão considerável razão a Paiva. Até o final de maio, por exemplo, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para um carro 1.0 a combustão era de 7%, contra 25% para um a bateria. Soma-se a isso mais 35% de imposto de importação, já que ainda não produzimos esses veículos por aqui. O resultado dessa matemática é um preço nas alturas, que desestimula qualquer comprador interessado.

Façamos uma rápida comparação com os norte-americanos. Por lá, o governo dá bônus fiscais de US$ 7.500 para cada motorista que decidir ter um elétrico. E o presidente Barack Obama disse estudar o aumento desse estímulo para US$ 10.000. No Brasil, o que existe por enquanto na prática é apenas a isenção de IPVA... e ainda assim em poucos estados.

Para não dizer que não saímos do zero, há dois meses a empresa Itaipu Binacional anunciou uma iniciativa isolada para criar um sistema de recarga rápida de veículos numa rede que abasteceria vários carros em até 20 minutos. “Fora do Brasil, os estudos nessa área são enormes”, diz Pietro Erber, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos. “Um futuro com carros a eletricidade depende da evolução das baterias. Elas precisam ser mais baratas, mais leves e com maior duração.” Esforços já existem. Lincoln Paiva conta: “Estive numa empresa no Colorado [EUA] onde estão trabalhando para reduzir o tamanho da bateria, deixá-la do tamanho de uma caixa de lápis”.

O renascimento do carro elétrico foi flagrado com estardalhaço no premiado documentário Revenge of the Electric Car (2011), do diretor Chris Paine. Cinco anos antes, ele havia dirigido o pessimista Who killed the electric Car?. Na meia década que separa um filme do outro, a indústria americana saiu da política Bush de incentivo ao petróleo e entrou numa era que viu nascer o Volt da GM, o Leaf da Nissan ou o modelo esportivo da Tesla Motors, capaz de rodar mais de 300 quilômetros por recarga, quase três vezes a autonomia normal. “Com o crescente preço do petróleo e com os incentivos do governo, as montadoras viram que poderiam ganhar dinheiro com carros limpos”, diz Paine.

Híbridos

Enquanto os elétricos não reinam (se é que, de fato, reinarão), os carros híbridos já morderam 2,5% do mercado americano. Nesse campo, o Brasil tem um representante. Um: o Ford Fusion, vendido a preço quatro vezes maior do que nos Estados Unidos. “Essa é a maneira de dirigir do futuro”, disse o roqueiro canadense Neil Young, num evento da Driving Green Performance, em que apresentou seu Lincoln Continental 1959 convertido por conta própria em carro híbrido. “O que eu sinto dirigindo esse carro é absolutamente sensacional.” Pudera: depois da conversão, a barca deixou de fazer apenas 4 quilômetros por litro de gasolina para rodar 80 quilômetros só com bateria.

“Todos os combustíveis alternativos têm seus problemas”, diz o jornalista Vijay Vaitheerswaran, no documentário Backlight: The Race for the future Car, de 2008. “Não temos que esperar pela perfeição do hidrogênio, dos biocombustíveis ou dos elétricos. Podemos começar a resolver o problema hoje.” É quase um aviso à indústria brasileira. A propósito, o Reva-i de Victor Levy sai por R$ 35.000. É pegar ou largar.

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