Biblioteca nas nuvens

por Ronaldo Lemos
Trip #184

É possível revender um livro digital? Posso reaver um livro se for apagado por acidente?

É possível revender um livro digital? Posso reaver um livro se ele for apagado por acidente? É possível criar um sebo para os livros digitais?

 

Quando era pequeno, havia um juiz colecionador de livros que morava perto de casa. Quando ele morreu, gente do Brasil inteiro apareceu querendo comprar aquela biblioteca. Foi a primeira vez que percebi o “valor” que uma boa coleção de livros criava.

Desde essa constatação pessoal até hoje, muita coisa mudou. Acabamos de entrar na era do livro digital. Ainda vai levar mais um tempinho, mas os leitores de livros eletrônicos vão se tornar cada vez mais populares. E com eles, questões bem curiosas.

Imagine um colecionador dos tempos atuais, que tivesse acumulado sua coleção não em papel, mas em formato digital. Imagine 50 mil livros, comprados ao longo de um cuidadoso trabalho de seleção que levou uma vida inteira (e que poderiam estar armazenados fisicamente em um aparelho que cabe no bolso de um paletó).

Imagine que esse hipotético colecionador digital falecesse. Quanto valeria sua biblioteca? Mais ou menos que a biblioteca em papel de outros tempos? Possivelmente muito menos. Ou até mesmo nada. Isso porque os livros estão migrando do mundo físico para a “nuvem” da internet. O que vale no mundo digital não é ter 50 mil livros em casa, mas sim ter todos os livros do mundo online e controlar como esses livros são distribuídos. Com isso, a percepção de valor dos bens digitais que temos em casa torna-se muito diferente. Uma biblioteca física nos parece muito mais valiosa do que uma coleção de arquivos armazenada no diretório de um computador (mesmo que o preço pago por ambas tenha sido exatamente o mesmo).

Para complicar, os livros digitais são vendidos com travas tecnológicas, os famosos (ou infames) “drm’s”. Em muitos casos, eles impedem qualquer transferência de arquivos. Dificilmente alguém compraria um livro digital de segunda mão, até porque o sistema em que os livros estão armazenados pode não permitir, o que contribui para a sua desvalorização.

Fascinado e ansioso
Em síntese, os livros estão deixando de ser mercadoria para se tornar um serviço. E, como tal, o valor pago por um livro eletrônico pelo consumidor praticamente desaparece no momento em que é adquirido (o valor está no serviço de vender o livro, e não no livro em si).

Por isso, é importantíssimo ficar de olho nos termos de uso das lojas de livros digitais (aquele texto que ninguém lê quando entra em um site). São eles que vão decidir questões que antes pareciam óbvias, como: quem herda os livros em caso de falecimento? É possível revender um livro digital? Dá para separar partes da sua biblioteca? Posso reaver um livro se ele for apagado por acidente? É possível criar um sebo para os livros digitais?

A mudança do livro para o digital é bem mais profunda do que aparenta. Tenho certeza de que o juiz colecionador de livros da minha infância ficaria ao mesmo tempo fascinado e ansioso se estivesse vivo hoje.

*Ronaldo Lemos, 33, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br





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