Tudo que é sistema cuja saúde depende da interdependência está podre

Tudo que é sistema cuja saúde depende da interdependência está podre, sim, a começar pelos dois mais importantes: sistema de recursos naturais e sistema financeiro internacional

Como sempre, os temas da nossa Trip me pegam de jeito.

Desta vez, recebi o e-mail com o tema da edição no melhor lugar para entender a diferença que o lucro pode fazer em uma civilização: Berlim.

Estava lá até ontem com a Lili, comemorando 40 anos de vida juntos.

Apelidei Berlim de cidade-cicatriz porque foi isso o que vi no lugar do muro que separou as duas civilizações, duas linhas de paralelepípedo cravadas no chão cujo significado, com o tempo, só tende a aumentar.

Para mim está sendo a experiência mais zeitgeist que tive nos últimos tempos. Porque essa cicatriz conta a história do passado e do futuro ao unir dois mundos que estavam separados: de um lado uma civilização movida pelo lucro e, do outro lado, uma civilização movida pelo “bem comum”. À primeira vista, quem deu errado foi o lado do bem comum, mas o tempo está ensinando que o que deu errado mesmo foi a ideia da separação que ali chegou à sua concretização mais caricata: o muro – de um lado o lucro e do outro o bem comum.

Não por acaso, a crise do sistema financeiro internacional é resultado de uma visão de mundo que separa cada um no seu quadrado, o privado e o público, o Ocidente e o Oriente, o grego e o alemão, o Brasil e a Argentina, o lucro e o bem comum, como se tudo isso fosse um grande lego manipulável e inquebrável.

Naquela cicatriz eu vi o fim da civilização da separação e o provável começo de outra.

A que acaba é essa coisa decadente, como o ingênuo e triste anúncio grego veiculado nos jornais da Europa pedindo “Give Greece a Chance”. Sim, o berço dessa civilização em crise pedia socorro; humilhados, os gregos se diziam sérios e bons trabalhadores, por isso merecedores de crédito. O estado terminal desse estilo de vida fica mais nítido ao virar a página do jornal para ver o Banco Central Europeu fabricando dinheiro a rodo para dar um fôlego artificial a uma economia moribunda, sem vitalidade nem esperança porque seus fundamentos teóricos de independência e poder não servem para lidar com a complexidade da realidade.

Coca-cola é água

Tem, sim, algo de podre no reino da Dinamarca e em tudo que está à sua volta e que é conhecido como planeta Terra. Tudo que é sistema cuja saúde depende do respeito à interdependência entre seus elementos está podre, sim, a começar pelos dois mais importantes: sistema de recursos naturais e sistema financeiro internacional.

Se der tempo de aprender a lição da história (e da ciência!) a civilização que começa tem um fundamento que é o oposto da que acaba: a integração e a interdependência como condições da vida em geral e da boa vida para os humanos.

Produzir lucro a partir desse fundamento gera saúde financeira, social e ambiental. Mas, se passar por cima dessas verdades, vai ser punida com o fracasso até aprender o 
segredo do sucesso no século 21: dividir, 
separar empobrece os dois lados. Bom é junto.

Nessa nova civilização, haverá lugar para uma Coca-Cola que se responsabiliza pelo abastecimento de água para a população, principalmente para aquelas das quais a empresa tira aquele recurso para fazer seus refrigerantes. Acabei de ver isso num anúncio na Time, daqueles que a revista faz questão de avisar que NÃO É EDITORIAL. Você sabe, separar propaganda e editorial faz todo sentido no mundo em que o lucro é separado do bem comum.

De qualquer forma, espero que The Coca- Cola Company esteja falando a verdade. Se não estiver, azar nosso, vai cair que nem o Muro de Berlim, derrubado pela evolução que não permite mais esse tipo de separação.

Abraço diretamente do voo LH 403, de onde se vê que o mundo é um só e que wir sind ein Volk* também.

Ricardo

*Wir sind ein Volk – “Nós somos um povo” – cartaz criado por Eckart Conradt para a manifestação pela abertura do Muro de Berlim em dezembro de 1989.

*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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