Guimarães: ”Quem vive em São Paulo acha que domina a natureza e não precisa dela”

Quem vive em São Paulo acha que domina a natureza e não precisa dela. No Rio, a relação é mais próxima do real porque a cidade e suas praias mostram que a natureza pode mais, e o homem, grato por isso, se deixa seduzir, encantar e... corromper

Caro Paulo,

Um dos períodos mais ricos da minha vida foi quando eu trabalhava na Globo do Rio e minha família morava em São Paulo. Foi rico porque o salário era absurdo de bom e porque a experiência de ir e vir entre São Paulo e Rio me permitiu entender melhor a relação do ser humano com a natureza.

Quando meu chefe, Jorge Adib, me contratou, disse: “Mais um paulista para tentar colocar ordem neste escritório, até que a beleza do Rio o corrompa e aí contratamos outro paulista”. Achei que era apenas mais uma sacada do finíssimo e satânico senso de humor do Jorge, mas não. Ele dizia a verdade. Isto é: era verdade que o escritório precisava de ordem e que a beleza do Rio corrompe o controle que o paulista tem sobre sua vida quando está...em São Paulo.

São Paulo é uma cidade feita pelo homem. Tudo o que você vê – viadutos, prédios, “minhocões”, marginais – é resultado do poder do trabalho do homem. Quem vive em São Paulo, consciente ou inconscientemente, tem certeza de que domina a natureza e não precisa dela. Nós temos certeza de que controlamos a vida. No Rio é o contrário: para qualquer lugar que você olhe, lá está o mar, ou a lagoa, ou uma floresta, ou uma pedra enorme saindo debaixo de um prédio, exibindo a presença da natureza, demonstrando com toda beleza e exuberância quem tem poder.

No Rio, a relação entre o homem e a natureza é mais próxima do real porque mostra que a natureza pode mais, e o homem, grato por isso, se deixa seduzir, encantar, corromper. Quem vive no Rio confia na generosidade da natureza e, por isso, não acredita que precisa trabalhar tanto para ter uma vida boa. Em São Paulo, a única demonstração contundente da natureza é a chuva. E, quando ela acontece, o paulista lamenta, se revolta e se culpa de ainda não ter resolvido o “problema” da chuva.

Apolos e dionísios

Transitando na ponte aérea entre a ordem dos apolos paulistas e a desordem dos dionísios cariocas, aprendi o que uma cidade sem praia dificilmente ensina: a humildade, a prudência, a cautela, a reverência, o encantamento e o respeito diante da natureza.

Ficou claro para mim que ter uma casa na praia não era só descanso e diversão, mas um ajuste de olhar, meio terapêutico mesmo, para ver as coisas como de fato são, sem a ilusão de um controle que é tão gostoso e que é necessário saber não ter. Para um workaholic que vive em São Paulo, encontrei um excelente pretexto para ter ótimos fins de semana, sem culpa, bem carioca.

Fiquei só um ano na Globo, mas valeu por uma vida inteira.

Meu abraço,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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