Belém e o Carnaval de Fé

por Alê Youssef
Trip #227

O círio de nazaré deveria ser incluído na lista de coisas para fazer antes de morrer

O círio de nazaré deveria ser incluído na lista de coisas para fazer antes de morrer, pois é um momento de compreensão do tamanho, da força e da fé do povo brasileiro. Isso só não acontece pela incompetência pública para lidar com o turismo no país

Belém do Pará é uma terra de fronteira e, por isso mesmo, um lugar de encontros. Da floresta com a cidade, dos rios com o mar, das comunidades ribeirinhas com o agito cosmopolita, do tecnobrega com o carimbó, do Brasil com o Caribe. Talvez por ser esse grande ponto de encontro, Belém permite que um forasteiro sinta-se em casa e muito confortável. Noto que isso acontece sempre em lugares em que o sentimento de pertencimento é grande. São cidades aonde qualquer um chega e logo se sente parte daquilo: quer cuidar, viver e compartilhar o espaço público. Belém tem muito disso: a cidade te envolve e te arrebata.

É nesse ambiente quente que acontece a maior festa religiosa do Brasil – talvez do mundo todo –: o Círio de Nazaré, a megaprocissão de fé de romeiros atrás da imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Mergulhar em Belém já é uma experiência e tanto, mas fazer isso em época do Círio é, com o perdão do trocadilho, divino. Como bem disse Cora Róvai em sua coluna em O Globo, o Círio é uma antologia de lutas, trabalho, conquistas, alegria e sofrimento.

A procissão fluvial com centenas de embarcações navegando freneticamente por uma posição mais próxima da corveta da Marinha que leva a imagem da santa, o mar de gente andando sem um centímetro de espaço ou o martírio impressionante de quem luta por um pedaço da famosa corda são imagens impactantes que ficam para sempre na memória. A fé chega a ser palpável, mesmo para uma pessoa não religiosa como eu.

Imaginário Coletivo

Além de tudo isso, outro sentimento presente em quem vive a experiência de participar da megafesta de Belém pela primeira vez é uma certa surpresa com tudo. Por mais que existam referências do evento, o impacto por estar lá, in loco, é tremendo. Junto com a surpresa vem a triste constatação de que o Círio ainda não está no imaginário coletivo de todo o Brasil, ou melhor, não tem o destaque que merece. O carnaval de fé deveria constar dos desejos de todos os brasileiros, deveria ser incluído naquela lista de coisas para fazer antes de morrer, pois é um momento mágico de compreensão do tamanho, da força e da fé do nosso povo.

Isso não acontece pela absoluta incompetência pública para lidar com o turismo no Brasil – coisa que percebo toda vez que viajo por aí. É inacreditável que, em um país tão lindo e repleto de eventos espetaculares como o Círio, a desinformação, a estrutura pífia de comércio, a falta de condições de mobilidade, o desleixo e o improviso sejam as marcas da política nacional de turismo. Uma vergonha.

E aí, diante desse quadro, como já é tradição no Brasil, sobra tudo para a simpatia do povo, que, com sua graça e seu jeito acolhedor, de alguma forma compensa a omissão pública. Em Belém, terra que te abraça, não é diferente. Lá, mesmo sozinho, você se sente cheio de amigos. E viva Nossa Senhora de Nazazé!

*Alê Youssef, 38, é apresentador do programa Navegador, da Globonews, comentarista do programa Esquenta!, da TV Globo, advogado e produtor. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com

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