Balança mas não cai

Fim de ano é tempo de avaliação - mas será que vale a pena mesmo?

Caro Paulo,

Você gosta de fim de ano? Não me refiro às festas de confraternização, Natal, ano novo, que são datas gostosas, boas oportunidades de chegar um pouco mais perto das pessoas queridas, coisa que a vida corrida nem sempre permite. Falo de encerrar um período, fazer balanço, avaliar quanto ganhou, quanto perdeu, comparar com os outros, tomar decisões sobre o período seguinte, colocar objetivos, criar compromissos.

Eu nunca gostei disso. Sempre gostei de estudar, mas nunca gostei de prova. No trabalho, sempre me ocupei mais de trabalhar do que de mostrar o quanto tinha trabalhado para saber se a grana estava de acordo com o esforço. Sempre fui assim, seja como empregado, seja como empresário. Provavelmente, isso deve ser um defeito grave do qual a vida me protegeu porque até hoje não me faltaram recursos para levar uma vida legal. Ou não é defeito e esse é um jeito possível de viver a vida.

Conversava muito sobre isso com meu pai, que, depois de passar metade da vida enfiado num banco em São Paulo, virou fazendeiro de leite em sua terra natal em Minas Gerais. Ele reclamava muito que o leite rendia pouco. Embora suas palavras fossem de lamento, seu rosto era de satisfação. Ele era feliz na fazenda que cuidava com um carinho de dar gosto.

Leite derramado

Eu dizia a ele que preferia ficar com sua felicidade de estar vivendo a vida que sempre sonhou do que ouvir o lamento do leite que não rendia. Mas ele não abria mão de fazer as contas e verificar o quanto deixava de ganhar, o quanto o leite não era um bom negócio.

Ele foi feliz na fazenda como nunca tinha sido no banco, mas nunca se permitiu relaxar e usufruir do bom estilo de vida que o mau negócio do leite proporcionava. Porque ele tinha que fazer as contas, fechar o balanço. Se papai não fizesse as contas, aposto que seria muito mais feliz. Por mais absurdo que possa parecer, é isso mesmo que quero dizer.

Fazer conta e balanço é um hábito nefasto para a felicidade humana. Durante o tempo em que fazemos contas, a vida fica em suspenso, nada acontece. E ficamos esperando o veredicto sobre nossa felicidade. Como num tribunal de juízo final que vai te absolver ou condenar, como se só no fim você pudesse saber se sua vida foi boa ou não.

A vida é jogo para se jogar e não para analisar. E essa visão me anima a aproveitar esse fim de ano para desabafar e desejar um mundo de alienação consciente onde ninguém mais faz conta e balanço para decidir se foi feliz no ano que passou.

Para quem não tem dinheiro sobrando ou está faltando, as contas não vão dizer nenhuma novidade. E, se o dinheiro está sobrando, mais uma razão para olhar a vida com mais ambição do que simplesmente contar quanto ganhou.

Que o ano-novo lhe seja leve de compromissos e objetivos, que você tenha poucos desejos e muita realização. E que os balanços desse fim de ano permitam que a gente se veja com calma.

Abraço do amigo,

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