A única coisa que aprendi a fazer na hora do aperto foi trabalhar
A única coisa que aprendi a fazer na hora do aperto foi trabalhar e esquecer o que os outros profetizam
Eu quero que a crise se foda. Digo isso com todo respeito e vou explicar por quê.
Sempre, desde que me lembro de me lembrar alguma coisa, ouvi falar de crise. Nos anos 50, em Barcelona, tínhamos de comer sopa de pão (se alguém tiver alguma dúvida do que é isso, posso dar a receita: pão velho, água e pedacinhos de cebola). E a crise da década seguinte na Espanha foi a causa de minha família imigrar, para o Brasil, no começo dos 70. Mais precisamente em 3 de janeiro de 1970.
Quando cheguei aqui, o país, que era o do futuro (o mundo inteiro comentava isso), começava a entrar em crise. Não só econômica como também política. Se bem que trocar a ditadura de Franco (que se fazia chamar de “Caudillo de España por la Gracia de Diós”) pela dos generais brasileiros foi sopa. Algo como trocar seis por meia dúzia. O excelentíssimo senhor ministro da Economia da época falava que “primeiro era preciso crescer para depois poder repartir o bolo”. Não sei se o bolo cresceu, mas nunca sobrou uma migalha para mim.
Depois peguei a primeira crise do petróleo. Uma que ninguém mais se lembra, mas que teve o resultado patético de fazer os carros andarem a uma velocidade máxima de 80 km/h nas estradas do Brasil. Era uma lei que servia, aparentemente, para economizar combustível. Uma vez, cu de ferro que sou, dirigi do Rio de Janeiro até São Paulo. Era um Fusca. Depois de rodar não sei quantos quilômetros naquela velocidade, sob o sol do meio-dia, quase saí da estrada e me matei por causa do sono que me deu.
Os 20% de todo mês
Nos anos seguintes, uma crise depois de outra era temperada pela inflação que corroía os salários. Era uma época em que, enquanto você comprava, digamos, sabão em pó no supermercado, um funcionário do lugar estava ao seu lado remarcando os preços (para cima, claro). Alguém sabe o que é viver com inflação de 20% ao mês? Sobrevivi a isso.
Confesso que me livrei das inacreditáveis soluções econômicas do Plano Collor. O destino me poupou de ter de presenciar o famoso discurso da excelentíssima ministra da Economia (outra vez) da época, Zélia Cardoso de Mello, em que tentou explicar o inexplicável. Me livrei do confisco da poupança e da aflição de não ter dinheiro em caixa porque tive a ideia de ir morar nos Estados Unidos alguns meses antes. Mas mesmo em Nova York peguei uma crise que também balançou os bancos de lá. Também atravessei outros faniquitos do mercado. Seja o incêndio no Mercado Modelo de Salvador ou quando o dólar chegou até Saturno ao ser desvalorizado no começo do segundo governo FHC. Sofri na eleição de Lula, quando o mercado, sempre ele, em pânico, achando sei lá o que os petistas iriam fazer, conseguiu que o dólar e a economia fossem para a casa do caramba outra vez. Sofri muitas outras vezes com a inflação do IGP-M, que é o dobro da oficial e no fim é a que conta. Sofri com as bobagens dos que querem se aproveitar e tentam achincalhar os outros pelo poder que a força lhes dá.
Sou, sempre fui, um freelancer. Isso significa que a cada novo dia tenho de ir procurar meus clientes porque não tenho emprego fixo nem carteira assinada. Então, o que quero dizer é que já passei por cada situação, por cada crise, que vou te contar. E a única coisa que aprendi a fazer nessas horas foi trabalhar. Trabalhar e esquecer o que os outros falam, ou profetizam. E é isso que vou fazer.
*J. R. DURAN, 55, é fotógrafo e escritor. Seu e-mail é studio@jrduran.com.br