Para que as pistas da marginal do Tietê sejam ampliadas, foram removidas 559 árvores
As pistas da marginal do Tietê estão sendo ampliadas. Não sei quantas pistas a mais. Asfalto e mais asfalto. Para que isso seja possível foram removidas 559 árvores
Em algum lugar da cidade de São Paulo, ao lado do Parque Toronto, foram derrubadas 3.318 árvores para que o terreno seja usado como cemitério. Parece quase uma ironia, uma metalinguagem entre a vida e a morte, mas não quero ser desrespeitoso com os futuros ocupantes do lugar. Parece, mas não é. Pelo que entendi, o futuro cemitério fica muito próximo a uma área de preservação ambiental. O Ministério Público estadual achou que alguma coisa estava errada e decidiu entrar com uma ação. Em outro ponto da cidade, como todos sabem, as pistas da marginal do Tietê estão sendo ampliadas. Não sei quantas pistas a mais. Asfalto e mais asfalto. Para que isso seja possível foram removidas outras 559 árvores. Um monte de gente reclamou.
Em todos os casos – nestes dois específicos ou em outros tantos parecidos – em que árvores são removidas, a defesa, o argumento de quem pratica esse tipo de jardinagem em grande escala, é que um número igual – às vezes maior, parece que impressiona mais – ao de árvores removidas será plantado em outro lugar. Ponto.
Frangos e pulmões
Para mim o fato de que elas sejam replantadas, de que cresçam em outro lugar, não me diz muita coisa. Primeiro porque ficarão faltando no espaço em que foram extirpadas. Uma coisa assim, utilizando a expressão popular, de “descobrir um santo para cobrir outro”. Segundo, porque ninguém me garante que todas elas vão sobreviver ou que serão do mesmo tamanho. O mais curioso é que o princípio desse tipo de, digamos, “deportação verde” parece ser o de que se alguém tira uma árvore e a coloca a não sei quantos quilômetros de distância o equilíbrio ecológico permanece. Pode ser, mas não sei não. A mim não convence. É um pensamento matemático que me lembra, apenas, que as ciências exatas às vezes não refletem a realidade. Quer ver? Se você comer dois frangos inteiros e eu não comer nenhum, o princípio estatístico (número de frangos dividido pelo número de bocas) deixará registrado que nós dois comemos um frango cada um. Vamos fazer um exercício de transposição e trocar os frangos pelos metros cúbicos de ar purificado pela fotossíntese (isso mesmo, fotossíntese, lembra?). Pode fazer os cálculos. O número de árvores continua o mesmo, mas a área verde, aquela que existia perto de você, desapareceu. Foi para outro lugar.
É quase como se pudéssemos dizer, gentilmente, “vou dar um soco nos seus pulmões, mas não se preocupe, vou massagear os de seu vizinho todos os dias”. Ou, já que é para ficar nos ditos populares, usar a frase de minha avó, que em ocasiões como essa dizia que a pessoa estava fazendo “cortesia com o chapéu dos outros”.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran