Jurado do concurso da mais bela idosa de SP, nosso gonzo ganha beijos, cafunés e elogios
O trânsito da marginal do Tietê está lento e atravancado, como uma gigantesca anaconda arrastando-se com a pança recheada. O destino é um edifício da praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, popularmente conhecida como Praça do Forró, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. A missão é registrar e ser jurado da sexta edição do concurso da mais bela idosa da cidade, promovido pelo Centro de Referência do Idoso (CRI) José Ermírio de Morais, em conjunto com a Secretaria de Estado da Saúde. Um fuzuê de senhoras soltinhas e elegantes me aguarda nas dependências da instituição.
Segundo o diretor Nilton da Silva, a movimentação no edifício é sempre grande. Circula pelas dependências do prédio por mês uma média de 10 mil idosos na área da convivência e 15 mil no setor de saúde. Nos bailões do CRI, muitas paqueras e até casamentos acontecem. Cerca de 700 pessoas divertem-se e deslizam seus corpos pelo salão à base de água e refrigerante. Álcool é vetado.
No dia do concurso, 5 de março, sou conduzido pela organização a uma reunião com a bancada de jurados. Somos cinco. Nosso time é integrado pela jornalista Selma Nunes, o funcionário administrativo do CRI Vinicius Rancan, a Miss Brasil teen 2007 Verônica Guerra e a lenda viva Marly Marley, atriz, vedete dos antigos teatros de revista e jurada do Raul Gil. Somos instruídos sobre os quesitos do concurso e como preencher as pontuações nas fichas das candidatas, todas com mais de 60 anos. As categorias de Miss são Timidez, Sorriso, Elegância, Beleza, Simpatia e CRI 2009, que deve sintetizar todas as qualidades.
Cinderela, menina-moça
A sala de desfile está lotada de fãs, curiosos e familiares. Os jurados são colocados em uma posição estratégica para poder observar e analisar as candidatas. O mestre de cerimônias Paulo Guedes sobe ao palanque e aciona uma série de elogios a todas as secretarias e coordenadorias. A abertura é prolongada. Marly Marley, sentadinha ao meu lado, comenta que o MC está mais para político que para apresentador. “Ele tá fazendo média, Arthur.” Costurando as palavras como um tecelão, o cerimonioso Guedes chama ao palco o grupo de música Franci e os Violeiros. Um dos integrantes declama que vai tocar uma musiquinha. Marley fica mordida com o violeiro. Soletra que música é música e não musiquinha. Vixe. Ela é braba. Que nada...
O grupo ataca o clássico dos clássicos de Ângela Maria, “Cinderela”. As beldades e anciãs emocionadas cantam: “Cinderela, menina-moça, coração a palpitar, Cinderela, o meu príncipe irá cheeeegarrrr”. Os músicos são ovacionados, e as palmas e apupos preenchem o local. MC Guedes começa a chamar as 25 misses concorrentes tendo “Pretty Woman”, de Roy Orbison, como fundo musical.
Uma a uma, elas desfilam para análise dos jurados e manifestações das torcidas. São chamadas de acordo com a ordem alfabética de seus nomes. MC Guedes apresenta as candidatas contando um pouco da vida de cada uma. A primeira é dona Adozinha Maria do Vale, a mais velha do concurso, com 87 anos, 9 filhos, 17 netos e 8 bisnetos. Sua maior realização na vida é ver os filhos criados em um sítio. Seguindo o balanço da trilha sonora, Amélia Marques Meraio, 70 anos, adentra o recinto com extrema elegância. Sua maior realização foi ter conhecido Belo Horizonte. Pratica a ginástica chinesa Shan Kun e dá aula para 15 crianças carentes. A quarta candidata é estrondosamente recebida pela plateia. Uma das mais novas do grupo, Ana Maria Elisabete Cunial, com 60 anos, destoa com seu rosto enigmático e sorriso de Monalisa.
As músicas vão se alternando, e as candidatas fazem suas evoluções. Percebe-se que todas estão no recinto para se divertir e brilhar na festa. Laurinete dos Santos invade a passarela dando risada. É casada, tem 2 filhos e 4 netos, e sua maior realização será fazer uma viagem agora em maio para Israel. A última a desfilar é dona Zilda Maria da Luz, 70 anos, que, além de ser costureira, costuma frequentar o CRI para dançar e estudar pintura.
Libido borbulhante
No fim as misses são colocadas diante do palco onde os flashes das câmeras registram a confraternização. Aproveito a deixa e chego junto. A libido borbulha nos recônditos selváticos de algumas candidatas. Sou abelha rainha no meio das Cinderelas. Elogios, agrados, cafunés e beijoquinhas sapecam na bochecha do repórter. Volto como um dervixe rodopiante à mesa apuradora.
Os jurados entregam as notas. Guardo segredo sobre minha preferida. A ansiedade é grande entre as candidatas e a plateia. Antes do resultado, nosso time de jurados recebe os agradecimentos da organização e somos presenteados com flores e um certificado de participação. Marley – a ex-vedete, não o Bob, aquele da Jamaica – está inspiradíssima. A trilha sonora com sucessos dos anos 60 e 70 sacode as torcidas, e Marley toca piano imaginário, viola invisível e outros instrumentos.
Com todas as notas apuradas, o grand finale do concurso se aproxima. A primeira a ser chamada é a Miss Timidez, Maria Gedalva dos Santos, 69 anos, 4 filhos, 5 netos e 1 bisneto. Consegue esboçar um sorriso e emociona-se com a premiação. Na sequência é chamada a Miss Simpatia, Maria Dias Kobama, 72 anos. Ela levou 40 min para preparar o cabelo e adora exercícios, principalmente a dança do ventre. Uma das premiações mais aguardadas é Miss Elegância e quem recebe a homenagem é Wilma Person Leonel. Ela é puro carisma. Seu perfume predileto é Florata in Gold, e seu livro de cabeceira chama-se Harpas eternas, de Hilarião de Monte Nebo. Com seus imensos olhos azuis, ela garante que está em forma com seus 81 anos.
A Miss Sorriso é só alegria. Fã de Zeca Pagodinho, Nelci Santos da Rocha nem parece ter 67 anos. Já a Miss Beleza é veterana de outros concursos. Luzia do Nascimento, 66 anos, já foi mamãe Noel e Miss Melhor Idade. É casada e funcionária pública.
O momento mais esperado é a premiação da Miss CRI. Vence por unanimidade Ana Maria Elisabete Cunial. Imprensa, fãs e plateia querem fotografar e entrevistar a beldade. Fico de lado para oportunamente dar o bote. Consigo alguns minutos e destilo um pouco do mel da estonteante miss. Ana Maria é vaidosa e cheia de energia. Pratica natação, hidroginástica, dança de salão e caminhada. Ao seu lado, percebo uma senhora tão elegante quanto Ana Maria. É nada mais nada menos que sua mãe, Natália Cunial, que acompanhou a filha em todas as etapas do concurso. Segundo Ana Maria, Natália sempre a incentivou a participar de concursos de beleza. No seu currículo, Natália tem um terceiro lugar no Miss Vila Prudente de 1985. Aos 60 anos, a mais bela idosa da cidade de São Paulo esbanja energia e beleza em seu 1,78m de altura e 68 kg de tônus muscular e saúde. Deus abençoe a todas as candidatas, organização e principalmente minha parceirinha da bancada de jurados, Marly Marley.