Arte da pegação

por Ronaldo Lemos
Trip #237

O blogueiro Roosh V viaja o mundo com o objetivo de pegar o máximo de mulheres possível

Um dos artigos mais fascinantes que li nos últimos tempos foi escrito pela escritora Katie Baker na revista Dissent, uma das principais revistas da esquerda norte-americana – sim, a esquerda existe também lá. O artigo parte das aventuras do especialista internacional em pegação (“pick-up artist”) chamado Roosh V, que viaja o mundo pegando mulheres em todos os países. Ele conta as experiências no seu blog e já escreveu vários guias turísticos (chamados Bang), contando a “arte” de pegar o máximo possível de mulheres em cada país. 

Só que Kate, ao analisar o trabalho do nosso “especialista”, confronta uma dimensão que é em geral ocultada no debate sobre sexo: a desigualdade. Por exemplo, ao tentar pôr em prática suas habilidades na Dinamarca, Roosh se deu mal. Ele foi tão rejeitado pelas dinamarquesas que escreveu um livro inteiro de tanta raiva e frustração, chamado Don’t Bang Denmark! (Não trepe com a Dinamarca!). Sobre o livro, ele diz: “Este é um aviso do quanto as coisas podem ser ruins para um cara solteiro procurando por mulheres bonitas, femininas e sexies na Dinamarca”. 

Ele fica chocado quando é rejeitado sistematicamente mesmo por mulheres que ele descreve como “robóticas e masculinizadas, sem uma gota de sangue feminino”. No final do livro, ele conclui que “as mulheres nórdicas não precisam dos homens porque o governo vai cuidar delas e dos seus gatos mesmo se ela for um fracasso em arrumar um cara”.

A hipótese que Katie defende no seu artigo é que Roosh fracassou na Dinamarca justamente pelo fato de ser um dos países com menor desigualdade no planeta. Onde não só as relações econômicas entre as pessoas são mais equilibradas, como também é o balanço de poder entre homens e mulheres. Nesse tipo de circunstância, “especialistas em pegação” como Roosh não têm vez. 

A possibilidade avança ainda mais ao olhar o livro dele chamado Bang Brazil (Trepando com o Brasil). Diferente da Dinamarca, a experiência de Roosh foi bem melhor aqui. Em um momento revelador do livro, ele sintetiza nosso país quanto à arte da pegação: “Garotas pobres da favela são moleza, mas conseguir garotas ‘de qualidade’ é um problema sério”. Em outras palavras, quanto mais precária a situação econômica, cultural e social, mais fácil é a vida do “especialista”.

A premissa da discussão de Kate é fascinante porque abre as portas para um debate que raramente acontece no Brasil. Se na visão do mais raso dos estrangeiros essa questão é tão visível, entre nós que convivemos com ela de forma constante ela é praticamente invisível. Afinal, sexo na visão mais simplória e compartilhada tacitamente é visto como “solução”, e não como um “problema”, ainda mais quando é relacionado ao contexto social mais amplo.

Popozudas

Nesse contexto, autonomia, consentimento, liberdade e dominação podem, sim, ser pensados no contexto social mais amplo. É muito interessante ver como a ascensão social da “nova classe média”, por exemplo, produziu novas formas de empoderamento feminino na cultura pop periférica. Uma das afirmações mais interessantes é de apropriação do próprio corpo e de ressignificação da sexualidade. Por exemplo, na letra da Gaiola das Popozudas, quando diz que “A porra da boceta é minha, eu dou pra quem quiser”. 

Isso mostra que a mulher que “dá” não é vítima nem puta. Não “dá” porque cedeu às tentações mundanas e carnais, nem porque foi obrigada por um balanço desequilibrado de poder entre homem e mulher. A mulher que “dá” faz isso porque quer e não pode ser estigmatizada por isso. Na continuação da letra: “Só porque não conseguiu foder comigo, agora tu quer ficar me difamado, né?”. A Gaiola das Popozudas é na verdade uma antigaiola: rompe com a dinâmica de dominação em que se a mulher “dá” para mim ela faz o seu papel, mas se dá para o outro ela é puta. A narrativa passa a ser agora de autonomia e não de subordinação. E esse é o principal atributo da igualdade: permitir a cada um desenvolver na integralidade sua potência, sem que ela seja determinada por desigualdades de poder e de outras naturezas, incluindo aí a forma como elas incidem sobre a dimensão sexual. 

*Este é um trecho de um artigo maior chamado“Sexo e desigualdade” a ser publicado pela revista independente Nin, criada no Rio de Janeiro para discutir sexualidade a partir de novas perspectivas. O primeiro número da revista, onde o texto consta na íntegra, está previsto para sair em março de 2015.

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